10 março 2010

Os poetas não vão para o céu

Mulheres, mulheres, mulheres. O que seria do homem sem mulher? Mulheres de grandes feitos que marcaram a história merecem sempre nosso carinho. Umas vão mais cedo mas a obra fica e marca-nos, Alda Graça foi-se na terça-feira, mas na verdade ela está entre nós.

José Luís Mendonça homenageia a Alda Graça do Espírito Santo, "nascida a 30 de Abril de 1926 na cidade de São Tomé, combatente da luta pela independência nacional, instruiu a nova geração pós independência, e pelas suas mãos de poetisa nasceram versos e rimas que sustentam o orgulho da República Democrática fundada em 1975. Uma referência nacional, que rejeita vanglórias e com humildade batalhou pela conquista do progresso do país soberano.

Criou a primeira geração de jornalistas do país, e como poetisa imortalizou o massacre de 1953 no poema TRINDADE, que desde a independência nacional é recitado todos os anos e de forma arrepiante por uma voz feminina.

O poder poético de Alda graça está presente todos os dias, e em todos os momentos de São Tomé e Príncipe. O grito pela independência nacional, a unidade do povo no coro da esperança, é reflectido na letra do hino nacional de que ela é autora". (http://amulhereapoesia.blogspot.com)


Ilha nua 


Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô1
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras...
A.E.S. in "É nosso o solo sagrado da terra"

 

Os poetas não vão para o céu


na morte de Alda do Espirito Santo

Os poetas não vão para o céu
eles já estão no céu
mortos para o plágio desta vida
como se ninguém mais soubesse


chamar as coisas pelos nomes
que sem querer os transformam
no prumo das portas ouvindo
cantigas de roda ao luar.


Os poetas não vão para o céu
eles já estão no céu
com seus olhos cegos abrindo
o novelo das palavras por dizer.


Por isso os poetas não morrem
se transformam simplesmente
no esplendor desse dia
que cresce entre as linhas da mão.


Montados no pégaso do universo
aparecem às vezes no umbral da via láctea
e a sua mão toca a dimensão do nada
para amealhar os cristais do movimento.


José Luis Mendonça, in 'Um Voo de Borboleta no Mecanismo Inerte do Tempo' (INALD, 2005)

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