06 julho 2009

A Mátria de Nguimba Ngola


Segundo Luís Adriano Carlos, na Universidade do Porto, a Mátria é uma ideia que seduz espíritos insatisfeitos com as perversões morais e políticas da ideia de Pátria. Cita Miguel de Unamuno, o espanhol que fundou o matriotismo para designar um sentimento alternativo que desse resposta ao fracasso do sentimento patriótico. Para Unamuno, “...o amor de mãe é o mais racional dos amores e o mais inteligente”.

Nguimba Ngola, o poeta que lançará o seu primeiro poemário no dia 11 de Julho, “Mátria” em que mescla a ideia de terra-mãe (motherland) com a idéia de concepção, de “Mulher Mãe da Vida” e diferente da ideia do Padre António Vieira que criou o vócabulo mátria, muito antes de Unamuno, no seu Sermão de Nossa Senhora da Conceição, pregado na Bahia em 1639, e da Mátria de Natália Correia.

A Mátria de Nguimba Ngola, é a mátria angolana, africana, dividida em cinco sublimes momentos em que nos convoca ao diálogo ou tão somente à reflexão e faze-lo no “regaço da Mátria”, que certamente é aconchegante.Desde o momento em que há “desassossego no lar” a perda dos valores familiares, muitas mães lamentam diariamente na nossa mátria angolana bem como a própria terra-mãe que é acometida de vários males sociais. São várias as consequências do “malefício do vício que mortifica a paz e a harmonia” e “despedaçando o fel da violência/que esfumaça solta no mar” e a delinquência juvenil marcada pelo consumo de drogas. Eis a constatação do poeta “Luzes cintilantes que iluminam o olhar surdo mudo/do cambonga que navega errante no mar concupiscente/da liamba e libanga e outras bangas” consequentemente vem a imoralidade sexual pois “as uvas verdes perdem o hímen/tão cedo/sem medo” resultando em “Erros que matam” como escreve Antónia Sónia Gomes no seu romance (2007).

Nguimba, no seu fazer poético que certamente não se trata já de um João Maimona ou José Luís Mendonça, nem um Rimbaud ou Baudelaire, pois ainda terá que galgar muitas picadas no labor das palavras, continua nos convocando no segundo momento a adentrarmo-nos na sua visão de mundo para quiça nos rever nos seus versos, pois ele, “absorto nos versos suculentos da reflexão/tacteio no Regaço da MÁTRIA/com sentimentos fracassados/com ternos conselhos/com dúlcidos sonhos/ansiando amor e paz/e Metáforas de Esperança.”. Ele escreve que “Na escuridão da alma desabrocham fantasmas/que exalam mistérios enfronhados na carne/e mortificam o deleite atingindo o cerne/das questões filosóficas causando traumas”. Estes traumas que afectam milhares dos filhos da terra-mãe angolana e os famintos em Darfur.

O poeta no entanto, não perde a esperança pois “O fogo dos meus olhos alegra-se com o instante utópico/banhando-os com lágrimas de esperança/pois amanhã haverá bonança nas entranhas da MÃE”. Ele nos convida a sermos “...empreendedor do amanhã/arquitecto do sonho do camboga do Unguanhã/transformando Angola no canteiro de amor.” Sendo Ungunhã, um bairro perdido no vasto musseque do Sambizanga, a metáfora dos bairros dos sofredores .

Ngola, como dissemos acima, não se considera já o tal poeta transcendental, há de sê-lo, pois notamos em diálogo com sua mãe, terra-mãe, a sua mátria, que “Quero ser poeta oh minha mãe/para continuar a amar a vida/porque o poeta oh minha mãe/é um ser divino pactuando com o Eterno/na criação do belo”. Ele não está preocupado com “os vigias” que “mastigam a semântica”, reconhece que o labor poético é “Suor da caneta” no entanto não deixa de ser “Olhar subjectivo”. Ele escreve:“É um paradoxo/a cor da poesia/pintando na tela das correntes/quentes do dogmatismo coxo//Eu solto humildes versos/a magia das palavras/que brindam as pétalas da mente/com aprazíveis sinfonias//Nego-me aos caprichos da tradição/sigo livre mente nos trilhos da criação/e costuro poemas de paz amor e consolo/na marginal da vida.

Mátria traz também o lado mais lírico da alma do poeta, no quarto momento veremos que :“desabrocha nas pétalas do coraçãosentimentos desejos puros e turvos pensamentosa musa colorida dos meus sonhos me eleva nospíncaros do (des) prazere também reina a Amizade no Regaço da MÁTRIA”.O poeta dedica belos versos a cerca de sete amigos e a sua amada. É aqui onde a mulher, é colocada no pedestal mais alto. O amor e carinho flui ternamente apesar dos (des)prazer, o dilema do “dedo doirado” que “pula cercas longínquas.../vive o dilema do amor/e sucumbe na libertinagem da cidade com muita dor”. Ainda assim para o poeta o sentimento expresso nos versos abaixo continua verdadeiro;


“Oh MULHER alma divinal

inspiração do Eu Poético

Te amo e sempre te amarei

até que não haja mais POESIA”

No quinto e último momento Mátria toca ainda mais nas questões sociais, o problema das desigualidades, a fome, a miséria resultantes da pobreza, as dificuldades de transporte e, o poeta escreve que é neste momento que “meu sangue verseja o quotidiano duro/de sol a sol caminha a dor/mas na utopia do amanhã brilha a/ESPERANÇA no Regaço da MÁTRIA”.E a esperança, esta nunca morre conforme podemos notar a fé do poeta nos versos abaixo;


“viajo então na utopia do amanhã

vislumbro pastos relvosos no Unguanhã

e as cubatas a fumegarem PAZ com sabor a

[lasanha”

Eis a mátria de Nguimba Ngola, a mátria angolana que com um sentido artístico nos convoca a recriar um mundo novo, um mundo de PAZ e AMOR.

Sucessos é que desejamos a este jovem poeta que doravante começa a trilhar “no escuro dos versos” em que “a escuridão poética é profunda” laborando a “hermeneutica das palavras”.
Ndembo KizeleTalatona,

aos 30/06/2009, 16:06´

É já neste Sábado!


23 maio 2009

Inovação linguística em “Uma Maria João e os Knunca”



É com prazer que leio o novo título de Luís Rosa Lopes, “Uma Maria João e os Knunca” editado pela União dos Escritores Angolanos, edição de 2008. O acto de lançamento aconteceu na sede da UEA a 14 de Março do corrente ano. Luís Rosa Lopes é heterónimo de Luís Filipe de Castro Louro da Rosa Lopes que nasceu em Abril dia 14, considerado mês da juventude, no ano de 1954. Publicou “A Gota D´Água em 1984 e “Mu Ukulu, Ki tuexilé ku mayombola” em 2005. Logo traz já os dedos calejados na senda da narrativa angolana.


A análise a que nos prestamos neste espaço, não constitui já uma tarefa com todo o rigor científico no âmbito da crítica literária, antes ser uma modesta apreciação fruto das nossas notas de leitura atendendo que o texto literário institui uma comunicação sui generis, onde emissor e destinatário não se encontram face a face não possibilitando o feedback daí que, o leitor ou destinatário tem o poder de controlar, aprofundar a compreensão da mensagem, interropendo a leitura para meditar, relendo. (Cesare Segre 1999).


Luís Rosa Lopes nos apresenta nove contos, no seu estilo muitas vezes humorístico, o quotidiano duro dos personagens que vão a luta para o alcance de melhores condições de vida bem como “eternos debates entre a tradição e as adapatações a novas realidades” e uma visão futurística da cidade de Luanda sendo um apelo a quem de direito e reflexão dos citadinos amantes da “cidade-berço, a cidade-vivência, a cidade-prazer, a cidade-drama, a cidade-farra, a cidade vida e morte...”.


A característica marcante nos textos narrativos em “uma Maria João e os knunca” é a inovação linguística, senão vejamos a invenção da palavra knunca (junção do pronome que com o advérbio nunca) bem como aviãojado, que subentende os que nunca tinham viajado de avião.


A língua, sendo um meio de comunicação de uma sociedade, deve obedecer a um certo padrão para que os utilizadores dela possam entender-se apesar da possibilidade de variações linguísticas. Nós angolanos adoptamos a língua do colonizador, o Português, como sendo “língua oficial”. O regime colonial dos portugueses, mediante uma política assimilante com intenções de nos inculcar os hábitos e valores portugueses, permitiu a que uma boa parte dos angolanos se comunicassem nesta língua.


Entrementes, A língua portuguesa em Angola encontra-se em constante transformação. As interferências linguísticas resultantes do seu contacto com as línguas nacionais, tradicionais, a criação de novas palavras e expressões inventadas pela criatividade popular, bem como certos afastamentos à norma padrão de Portugal, imprimem-lhe uma nova força, vinculando-o e adaptando-o cada vez mais à realidade angolana. Podemos notar esta força bem patente na literatura, que é mesclada com as línguas locais tais como o kimbundu, umbundu e o kikongo para citar apenas estas. Luís Rosa Lopes não se alheia a este fenómeno, transcrevendo a fonética dos personagens tal e qual eles se expressam a exemplo dos kotas Uanhenga Xitu e Luandino Vieira. Nota-se o diálogo abaixo:


“ – Acarmam só, muzangálas! Isso vai dar pra todos... Não adianta só nos porradarmos à toa, né?


- Yá! Ta m´bora bom. Vamos se dividir sem n´vunda.”


Os sociolectos, como sendo série de variedades linguísticas relativas aos ambientes sociais a que pertencem os falantes e às condições em que se realiza a enunciação, não são rígidos, dada a circulação e os contactos entre os estratos sociais. Logo a escolha estilística reduz-se às opções oferecidadas pelo sociolecto e o comportamento do escritor que actua em princípio, dentro dos limites do registo literário. Ocorre que é, muitas vezes permitido, fazer uso de todas a variedades da língua bem como inovações do tipo que lemos em “Uma Maria João e os knunca”. (C.Segre 1999).
Que viva a literatura angolana e logicamente a nossa cultura.

Mulemba waxa Ngola, ao 09 de Abril de 2009. 01:25´