17 março 2010

Dya Kasembe


O mês é mesmo delas.Vamos honra-las pelos seus feitos. Ela é feminista assumida, contadora de estórias incríveis, é a Dra. Amélia de Fátima Cardoso  ou melhor, Dya Kasembe. Nasceu em 1946 na localidade de Mumondo, município da Muxima, província do Bengo, fez os estudos primários e secundários no antigo colégio São José de Cluny.

Dya Kasembe publicou, "Angola 20 anos de guerra civil, uma mulher acusa" (1995), Femmes saceees, insoumises et "Rebelles" (1997), e "soigner en noir et blanc" (1999). Pelas Edições Cultures Croisees, as obras, ela publica "Tchiala L`enracinee" (2002), "Les bons tours de Capidon" (2004) . Publicou ainda, "As mulheres honradas e insubmissas de Angola" Nzila, 2005, "Amores da Sanzala" e "Cartas para maridos temerários" do qual transcreve-se abaixo uma delas.                         
Da Mariquinhas para o Zeca

(Zeca, 68 anos, general na reserva; Mariquinhas, 48 anos, ex-militar das FAPLA)

Zeca,

É mesmo verdade que eu bebo, e já bebia quando me conheceste, mas não bebo com o teu dinheiro. Isto não é motivo para bateres sempre na mesma tecla, que uma mulher não deve beber assim. Não sou a primeira nem a última, eu tenho razões para beber mas tu não tens razões para disparatar e bater, porque quando bebo até nem faço confusão. Danço, faço amor contigo, fico quente, e tu gostas não é? Sobretudo quando bebo champanhe fico com aqueles olhos que nem consegues resistir? Então amor, já me conheceste assim e serei sempre assim. Diga-se de passagem amor, que também não bebo por aí além. E também nem bebo todos os dias.

Eu fui militar das FAPLA, e só sei pegar numa metralhadora; eu só não te bato porque tenho medo de te matar assim como estás todo magrinho e até uma ventania poderia carregar, se te der um empurrão vais mesmo cair. Eu bebo, mas tu fumas, e não fumas tabaco, ou pensas que não sei. Nem eu nem tu temos filhos, entregámos a vida toda à revolução, então deixa-me em paz. Tu fumas e eu bebo, qual é o mal?

A tal pensão dos antigos combatentes, nem chega para eu afogar as minhas mágoas e ainda achas que gasto muito na bebida! Bebo sim senhor, e como sei que se te disser isto na cara vais me matar, digo-te por escrito porque ainda sei escrever. E se tu não bebes, então deverias arranjar outra mulher que não beba, porquê estás agarrado a mim? Então é porque me amas. Então amorzinho, bebo sim senhor, e não hei-de beber porquê? Sabes porque te escrevo amor? Para te dizer QUE BEBO, BEBI E BEBEREI.

Mas eu amo-te mesmo assim, e sei que tu me amas e muito mesmo. Não me compliques a vida Zeca, o tempo que nos resta vamos ficar em paz. Vivermos bem, comermos bem, termos um conforto. Para quem vamos guardar o dinheiro, não temos herdeiros, e também nem temos sobrinhos? Por isso, beber de vez em quando, quando temos dinheiro, não é mal para ninguém. Os vizinhos não têm queixas nossas.



Sempre tua, Mariquinhas.

(in Cartas para maridos temerários de Dya Kasembe, edição da Nzila)


Nas Fotos:
Dya Kasembe; Nguimba Ngola e a Dya Kasembe, "há lá uma carta para tí Nguimba"

1 comentário:

Valdeck Almeida de Jesus disse...

Conheci a Dya Kasembe no 2º Salão do Livro e da Imprensa de Genebra, em abril de 2012.

Achei ela uma mulher extraordinária, dotada de uma inteligência e uma garra que poucas pessoas no mundo possuem... Fiquei encantado. Comprei dois dos livros dela, em Português, e fui presenteado com um terceiro...

Já li "Mulheres Insubmissas e Honradas de Angola". Magnífico...


Valdeck Almeida de Jesus
Escritor, Poeta e Jornalista
www.galinhapulando.com