27 janeiro 2010

Comentáriosquasepoétikos

O inglês diz DREAM e Eu


Deixo-me utopicamente

Retornar saudoso no

Emaranhado circuíto da nostalgia

Aonde o verbo me conduz nos doces

Momentos do outrora voando ah sonhando

Passei

aqui

encontrei mel filosófico

na longa verbalização do discurso

para o deleite do intelecto

nem prata nem ouro

abortam o intrínseco desejo de tocar

as últimas causas

Abraço poétikofilosofiko

(in http://kutlhamala.blogspot.com/)



voei

de aveo

o candongueiro

ia lesto

carregava fatias de verbo

ah foi bom

e Gente da Periferia mexeu

na periferia do meu eu

desassossegado É Realidade Genuína

eu a vivo

e recitei

e declamei

e chorei

porque a gravata continua a mentir

até quando?

xé candongueiro

há lugar na bauka?

também quero sonhar voar

e deleitar-me na arte das palavras

Força Décio, o poeta do KK ou de Luanda?

não importa

é mesmo muangolê

Eu sei

e ví

e peguei

as palavras que caiam nos pés descalços

(in http://mulembeira.blogspot.com/)

26 janeiro 2010

Sobre a Língua Portuguesa em Angola, como língua oficial

A língua oficial de um país é aquela que é considerada como única, a língua que todos habitantes do país precisam saber, que todos precisam usar em todas as acções oficiais, i. é, nas nas suas relações com as instituições do Estado. Ela, a língua oficial, tem um aspecto muito importante, é parte do que caracteriza a identidade de um povo e de sua nação.



Como angolanos, adotamos (foi-nos imposta) a língua portuguesa e é no conjunto dos elementos que identificam a nacionalidade angolana, um aspecto a considerar. No entanto, quando da chegada do colonizador, o povo angolano já possuia suas línguas que ascendem a mais de uma dezena de línguas e dialectos. Embora ter sido por vías de um processo impositivo, a adopção do português como língua de comunicação corrente em Angola permitiu a veiculação de ideias de emancipação em certos sectores da sociedade angolana e facilitou a comunicação entre pessoas de diferentes origens étnicas.

Com o objectivo de preparar-me para o exame de acesso à Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, no curso de Línguas e Literaturas Africanas, fiz alguma pesquisa na internet sobre a questão da língua portuguesa em Angola. Entre variadíssimos artigos no espaço cibernético, encontrei um texto escrito por um português que vivenciou a imposição da sua língua ao colonizado e o menosprezo das línguas locais. Sem a autorização do autor, ousadamente faço a postagem do referido artigo que me deixou em reflexão com o objectivo de manter-mos vivo os meandros do surgimento da Língua hoje oficial. O artigo vem em resposta a pergunta: Qual é a importância e origem do português em Angola? Publicada no site: http://www.ciberduvidas.com. Eis a resposta:

“Temos de partir do princípio de que o país Angola foi criado através de um pacto de colonização interno, depois da partilha de África pelas potências europeias. Foi um pacto entre o colonizador e o colonizado, entre o vencedor e o vencido, entre o ocupante e o ocupado.

A unidade territorial Angola, criada, penso, a partir do século XIX e mantida até hoje, não dispunha de nenhuma língua sua, mas antes de sublínguas com a mesma raiz, um pouco como as línguas europeias neolatinas.

As principais eram (e são): kikongo, kimbundu (quimbundo), umbundu (umbundo), tchokue e cuanhama, considerados pelos portugueses como dialectos. A língua portuguesa foi-se impondo como a língua da totalidade angolana, uma imposição de fora. A ideologia da colonização era simples neste aspecto: sobrevalorizar a língua do colonizador e desprezar, de acordo com os interesses estratégicos do ocupante, as sublínguas locais.

Isto culminou com a exclusão das línguas locais do ensino e com o processo de "assimilação". O que era a assimilação? Muito simples: os colonizados não eram cidadãos portugueses. Não tinham direito a bilhete de identidade. O que os tornava "legais" era: 1 - o cartão de trabalho assinado diariamente pelo patrão; 2 - o imposto indígena reconhecidamente pago. Caso contrário, eram presos nas rusgas diárias e encaminhados para: 1 - obras públicas (estradas); 2 - serviços domésticos (os colonizadores tinham o direito de ir à prisão da esquadra policial escolher um "rapaz" não nascido em Luanda ou Malanje - os destas regiões eram considerados falsos nas suas relações com os colonizadores; os do "sul" eram considerados "pretos fiéis" e por isso com muita procura para os trabalhos domésticos. Os colonizados não podiam por isso casar, mas "amigar". O casamento era para os "mestiços" (a quem os colonizadores chamavam "africanos": uma senhora "africana" era uma mulher mestiça).

Para se tornarem "cidadãos portugueses" tinham de prestar provas: ser católico praticante, dormir numa cama, ter o exame da quarta classe, falar bem português, ter só uma mulher, comer com garfo e faca, isto é, ter costumes "europeus exemplares". Isto é: o que para um qualquer branco era adquirido por nascimento, para o colonizado era adquirido depois de difíceis provas, em que, muito provavelmente, muitos europeus reprovariam.

Assim se impôs a língua portuguesa, através de redes de pequenos colonizadores, nas cidades e nos campos.

Eram comerciantes, donos de terras concedidas (depois de rapidamente expropriadas aos colonizados), etc, etc. No meu tempo, raros eram os negros ou mestiços que passavam da quarta classe para o liceu.

Exemplifico: no meu tempo fui companheiro de três ou quatro crianças negras ou mestiças no ensino primário, para centenas, se não milhares, de brancas. Logo no primeiro ano do liceu só havia um negro na minha turma de 40 alunos. No meu ensino complementar para Direito, havia uma média de 50 brancos para quatro negros e mestiços. Todos os outros ficavam pelo caminho. Isto para uma população de 500 mil brancos – 5 milhões de negros/mestiços.

A língua portuguesa nunca se misturou com as línguas locais, consideradas inferiores. Se houve alguns portugueses que conseguiram, pela sua prática de comerciantes, falar correctamente a língua local, a grande maioria utilizava apenas expressões muito pejorativas dessas línguas. Passo a exemplificar: o que se ouvia os colonizadores (neste caso os brancos) dizer, em tom de galhofa, era: "sundu ia maienu – cona da mãe; tuje - merda; munhungo – prostituição – «a gaja é uma preta do munhungo", etc, etc.

A língua portuguesa impôs-se não pela convivência, não pela procura de uma língua de mistura (ou crioula), mas pela exclusão forçada das línguas locais. São raras as expressões de línguas locais que a língua portuguesa absorveu: "maka - problema".

E é interessante ver as "nuances": um preto era sempre um rapaz, quer tivesse 10 ou 100 anos, sempre tratado por tu pelos brancos; o filho de um branco era sempre o menino; um branco era sempre o patrão; a mulher do branco era sempre a senhora; a mulher negra era a rapariga; a mulher mestiça clara era a senhora africana; os mestiços claros eram os cabritos; os negros escuros eram os pretos fulos; os pretos perigosos eram os calcinhas (de Luanda) e os malanginos e catetes; os pretos "amigos" dos brancos eram os bailundos ou os cabindas, os pretos fiéis.

Os filmes ou eram para "maiores de 13, assimilados e interditos a indígenas", ou "para maiores de 6 e indígenas". Isto é, um indígena (um negro sem BI) era considerado até à morte como uma criança menor de seis anos. O Cinema Colonial (no bairro de S. Paulo) estava assim estratificado: bancos de cimento sem costas, mesmo à beira do ecrã, para indígenas; a superior, bancos corridos de madeira com costas, para mestiços e assimilados; cadeiras individuais para os pequenos brancos; camarotes, para os menos pequenos brancos. Esse cinema chama-se hoje Popular e preencheu-me o dia-a-dia da minha meninice e adolescência. Os colonizadores nem sonham que foi aí, entre um filme de Tarzã e outro do Zorro e do Roy Rogers, que eu aprendi a ser anticolonialista convicto e, sendo branco, tornei-me antibranco (porque o branco era a face visível da tirania e da opressão), um menino de 10 anos revoltado contra o racismo, não teórico, mas ali ao meu lado, preenchendo todo o meu espaço vivencial.

Foi nessa altura que eu comecei a aprender a língua kimbundu (quimbundo), por manuais feitos por missionários. A tal ponto que ainda hoje, se me perguntarem qual é a minha verdadeira língua, eu respondo automaticamente: o kimbundu, mas também o português. Esta visão pode chocar, mas o que escrevi sou eu próprio.

Rui Ramos :: 17/12/1999”

Fonte da foto: zala.fotosblogue.com

12 janeiro 2010

Lutando Contra as Trevas

Nos séculos passados muitos homens e mulheres, conseguiram a proeza de eternizar seus nomes na história, apesar de suas deficiências. Penso neles com muita estima e admiração e, vejo como Deus capacita os incapacitados de tal modo que superam em muito pessoas sem deficiencias. A lista destes notáveis é grande bem como a variedade de deficiências.


No campo da literatura, soam alguns nomes com deficiência visual. Luís Vaz de Camões, Jorge Luís Borges, Thomas Blacklock, Oscar Ribas, Hellen Keller e outros tantos. Fiquei seriamente pensando nestes dois últimos, ele africano e ela americana. Certamente são exemplos de superação que inspiram-nos, abaixo alguns extractos de suas vidas e obras.

Oscar Ribas


Óscar Ribas nasceu em Luanda a 17 de Agosto de 1909 e muito cedo perdeu a visão, facto que não o impediu de se dedicar com afinco à literatura, onde se destacou como pioneiro da ficção literária em Angola.

Aos 18 anos de idade Óscar Ribas iniciava a sua carreira literária, abrindo um período de publicação das novelas "Nuvens que passam" e "Resgate de uma falta", publicadas respectivamente em 1927 e 1929.

A seguir torna publico "Flores e Espinhos", "Uanga" e "Ecos da Minha Terra" dados a estampa entre 1948 e 1952 com intervalos de dois anos entre estas publicações.

Conforme Luís Kandjimbo, em toda a produção literária posterior, Óscar Ribas demonstra na verdade uma propensão pouco comum entre os escritores da sua geração e mesmo em gerações posteriores. Revela-se profundamente preocupado com os temas da literatura oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de língua kimbundu. Destas preocupações resultam a sua bibliografia dos anos 60, nomeadamente Ilundo - Espíritos e Ritos Angolanos (1958,1975); Missosso 3 volumes (1961,1962,1964); Alimentação regional angolana (1965); Izomba - Associativismo e recreio (1965); Sunguilando - Contos tradicionais angolanos (1967, 1989) Kilandukilu - Contos e instantâneos (1973); Tudo isto aconteceu - Romance autobiográfico (1975); Cultuando as musas - poesia (1992); Dicionário de Regionalismos angolanos.

Óscar Ribas foi por diversas vezes distinguido com prémios e títulos honoríficos: Prémio Margaret Wrong (1952), Prémio de Etnografia do Instituto de Angola (1959), Prémio Monsenhor Alves da Cunha (1964). Quanto a títulos, com que foi agraciado: membro titular da Sociedade brasileira de Folk-lore (1954), Oficial da ordem do infante do governo português (1962), medalha Gonçalves Dias pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (1968), Diploma de Mérito da Secretaria de Estado da Cultura ( 1989)


Helen Keller

A vida de Helen Adams Keller é a história de uma criança que aos dezoito meses de idade ficou cega e surda e de sua luta árdua e vitoriosa para se integrar na sociedade, tornando-se além de celebre escritora, filosofa e conferencista, uma personagem famosa pelo trabalho incessante que desenvolveu para o bem estar das pessoas portadoras de deficiências.

Nasceu em 27 de junho de 1880 em Tuscumbia, Alabama, descendendo de família tradicional do Sul dos Estados Unidos. Seu pai, Capitão Arthur Keller, era homem de influência em sua comunidade, editor do Jornal “The Tuscumbia Alabamian” e foi nomeado Prefeito do Alabama do Norte em 1685.

Em 1904 graduou-se bacharel em filosofia pelo Radcliffe College, instituição que a agraciou com o prêmio Destaque a Aluno, no aniversário de cinquenta anos de sua formatura. Falava os idiomas francês, latim e alemão. Ao longo da vida foi agraciada com títulos e diplomas honorários de diversas instituições, como a universidade de Harvard e universidades da Escócia, Alemanha, Índia e África do Sul. Em 1952 foi nomeada Cavaleiro da Legião de Honra da França. Foi condecorada com a Ordem do Cruzeiro do Sul, no Brasil, com a do Tesouro Sagrado, no Japão, dentre outras. Foi membro honorário de várias sociedades científicas e organizações filantrópicas nos cinco continentes.

Em 1902 estreou na literatura publicando sua autobiografia A História da Minha Vida. Depois iniciou a carreira no jornalismo, escrevendo artigos no Ladies Home Journal. Outros títulos da querida Hellen;

• Optimismo - um ensaio

• A Canção do Muro de Pedra

• O Mundo em que Vivo

• Lutando Contra as Trevas

• A Minha Vida de Mulher

• Paz no Crepúsculo

• Dedicação de Uma Vida

• A Porta Aberta

• A história de minha vida

Concupiscência



Sensual


A carne

O cerne

Da questão

É tremendo conflito

Sinto-me aflito

Desvanece-se a ética

No olhar da ave

A trave no meu olhar

É sedução pecaminosa?

Ó desejo

O prazer é anormal afinal?

Os contornos dos lábios

É fel e o mel também jorra

A alma amarrotada chora

Os deleites proibidos

A libido é poder que arrasta

O sonho que sucumbe na frustração

De ter o fogo na palma da mão

Sensual

A carne de barro

Ansioso o espírito na contramão

Dos valores na pós-modernidade

Desejos pertinentes a mocidade

Na cidade que sucumbe à decadência

Sensual

A carne

O cerne

Da questão

É tremendo conflito

Valha-me Deus

11 janeiro 2010

Coisas do Futebol

Estou com dificuldades em controlar as mãos que não param de tremer. É tanto nervosismo, tudo causado pela decepção causada pela selecção de Angola no CAN Orange Angola 2010. Fiquei de tal modo afectado pois a dúvida inicial que eu sentia pelo team de Angola, começou a desvanecer-se quando a cabeça brilhante de Flávio Amado introduziu dois golaços na baliza adversária. A alegria invadiu-me e gritei e pulei enfim, vibrei ao máximo. Surgiu os penalties e a coisa pegou fogo, para no fim a falta de inteligência dos nossos compatriotas levarem-me a desilusão. Coisas do futebol.



Aprendi no entanto que futebol é um jogo com noventa minutos e a bola tem de rolar até o fim, aí então determina-se o vencedor, aprendi que o excesso de confiança pode muitas vezes atrapalhar nossas conquistas, aprendi que depois da alegria pode vir a tristeza. Aprendi ainda, melhor dizendo, confirmei a verdade de que os seres humanos têm a tendência de culpar os outros pelos erros cometidos, não assume suas responsabilidades pelos erros, as falhas. Como pode Manuel José culpabilizar somente os jogadores?

Ok, assim foi o jogo no moderno estádio 11 de Novembro que recebeu milhares de adeptos com cores e som e muita festa. Eu queria hoje ver a senhora primeira dama da República e seu esposo, eles vibraram. Ana Paula pulou literalmente, gritou e certamente deve ter dito no final, fracos, faltos de inteligência. São apenas conjecturas.E assim foi o jogo.

Cultura Angolana


A cultura angolana é deveras muito rica. Nossos hábitos e custumes, nossa filosofia de dimensão africana, acima de tudo angolana. Nossa música e nossa dança, nossa gastronomia e nossas línguas, nossas crenças e tradições enfim, nossa cultura. Todos nós devemos adotar uma postura mais actuante para consolidarmos nossa identidade cultural.

Manguxi, na ocasião da tomada de posse do corpo directivo da UEA dissera:

“Hoje, a nossa cultura tem de ser reflectida tal como ela é, sem deformações”.

“Nós estamos numa encruzilhada de civilizações, de ambientes culturais, e não podemos fugir a isso de maneira nenhuma. Mas da mesma forma que nós pretendemos manter a nossa personalidade política, também é preciso que nós mantenhamos uma personalidade cultural”.

Em 1986, o Estado angolano institucionaliza por decreto número 21/86, o 8 de Janeiro como sendo Dia Nacional da Cultura. Este ano como sempre, refletiu-se sobre o dia com várias actividades culturais, o acto oficial foi na Lunda, terra da minha kamba Lueji Dharma. Os meu amigos da Brigada Jovem de literatura também brindaram a data com um sarau cultural na União dos Escritores Angolanos. Não pude estar presente, mas no entanto não me alheei a data porquanto estive no programa Tchilar da TPA2 na rubrica "Sugestões de Leitura" que apresento. Leitura é também um modo de bebermos mais da nossa cultura.


Viva a Cultura Angolana, mais cultura mais Angola.

08 janeiro 2010

The Kings Club e a poesia





Ok, uma caldeirada gostosa para o jantar. Uma garfada e o olho na tela a pensar o que escrever hoje. Não consigo muitas vezes jantar com os meninos pois eu encontro-os já a dormirem. Minha esposa e também a minha maninha, estão com os olhos colados à televisão, direi que são viciadas em novelas? Penso que sim pois não perdem nenhum episódio das novelas brasileiras que invadem os lares angolanos. São 22 horas e 53 minutos, cansado depois da jornada mas ainda me animo para soltar algumas letras, afinal assumi um compromisso, escrever todos os dias. É bom porque sinto novamente o fogo, a paixão de escrever. É como o alcoólatra que pára durante um tempo e, basta provar um golinho para voltar ao vício.

O dia foi pesado no meu ganha-pão. O chefe pressionou-me bastante, tive deadlines muito apertados e lá me esforcei para cumpri-los. O meu ambiente de trabalho é deveras bom, os colegas apoiam de uma ou outra forma e, como sempre o Nelman no seu estilo meio sarcástico e meio cómico, vai fazendo o pessoal descontrair com suas piadinhas. Hoje a conversa girou em torno da homossexualidade. Ele não tolera gay.

_ Porra homem africano de verdade não pode ser gay, essas cenas começaram com os pulas. Nós não tínhamos tempo para desenvolver esses hábitos, os homens iam a caça e as mulheres faziam seus trabalhos próprios de mulher, não se via homem a acarretar água .

_ O homossexualismo é antigo Nelman, a Bíblia inclusive regista isso. Acrescentei.

_ Yá por isso mesmo, é coisa dos pulas. Eu não posso ser amigo de gay. Concluiu.

No final do expediente aproveitei actualizar meu blog e ler mais alguns emails. Neste interím, lembrei-me da poesia. É sobre este assunto que vou concluir meu texto hoje. O Lev´Arte, movimento incansável na promoção da arte, com destaque para a poesia, retornou ao local de origem. Foi há 3 anos que começamos (sou membro fundador do movimento) com o recital no espaço aconchegante do “The Kings Club”. Com sentimento nostálgico voltei ao espaço de então, senti-me alegre. A Quinha notou minha animação e ainda me questionou a causa dessa alegria porque quando falamos ao telefone eu estava sem ânimo, sentia-me cansado. (Um dia falarei mais sobre a Quinha, minha grande kamba).

Foi uma noite agradabilíssima, acreditem, a poesia faz magia, apazigua as almas dos fantasmas do dia. Foi bom rever amigos das lides poéticas, o Shinya Jordão, o Edson, o Nzacran Muntu a Nfumu, sempre irreverente na sua forma de declamar, o Kardo Bestilo nosso boss autor do livro Controverso e, tantos outros amigos da poesia. Aproveitamos dar-nos os kandandus. Na re-estreia do espaço, primeiro dia poético em 2010, a casa ficou abarrotada superando grandemente nossas expectativas apesar de já prevermos casa cheia. O Lev´Arte atrai boa gente para deleitar-se com aprazíveis momentos. Não será exagero dizer que é o único movimento em Angola com essa dinâmica para promover a arte poética. Todas as quintas-feiras do ano, de modo incansável, mesmo muitas vezes sem espaço apropriado para o efeito (por exemplo na praça da independência a céu aberto e sem instrumentos sonoplasticos).

A noite foi recheada de cor e som e palavras. Teodósio Paulo, Kimbalambe e Gino Sacra, estes jovens me convencem a cada dia com sua poesia já madura. O Kiokamba Cassua, nosso apresentador sacou grandes palmas e a plateia em histeria vibrou com o seu famoso poema “gotinhas do meu sangue” bem como o Wilmar Tembo com a magia nos dedos e nos lábios que dedicou uma música linda à Bárbara Sindoka. Outro artista da música foi o Day Mond que veio da Alemanha onde vive há mais de dez anos, a plateia em pé vibrou. Um dos momentos altos também foi a presença do jornalista desportivo Sílvio Capuepue que teve um momento de franco diálogo com a plateia sobre o CAN Orange Angola 2010. Respondeu a perguntas da plateia sobre a fraca divulgação do referido certame, falou também dos grupos e principalmente do grupo de Angola e concluiu dizendo que devemos manter um otimismo moderado porque até a nossa selecção não está muito bem preparada mas vamos a luta. Ainda sobre o CAN, vários artistas associam-se a festa contribuindo com sua arte, o declamador Molhado Arte foi um dos que deu seu show com um poema sobre o ansiado evento.

Concluo dizendo mais uma vez que a noite foi o máximo, fiquei inspirado. Também dei meu show fazendo-me de fotógrafo com posições acrobáticas para sacar umas boas pictures e, declamei o poema “recital do quotidiano” do livro Mátria. Dei boleia as meninas Nhali e Carolina, amantes da poesia e com o Fernandinho a acompanhar-nos. O rock desse cantor cristão é contagiante. Cheguei a casa e dei o beijinho da praxe a madame. Agora vou mesmo é deitar-me, não, vou antes ler alguns versículos da Bíblia e depois um banho gostoso e cama. Aleluia.



Mulemba waxa Ngola, 07 de Janeiro de 2010. 23:59´.

Escrever e ponto final


Aqui sentado na minha sofrida cadeira diante do amarrotado laptop, abro o processador de textos e procuro escrever, escrever qualquer coisa. Afinal um escritor escreve e, como me assumi escritor, devo arduamente empenhar-me na tarefa da escrita. Ótimo, o escritor deve escrever até aqui nada de novo. Surge daí a questão, sobre o que escrever?

Há uma infinidade de assuntos para se escrever a respeito. Muitas vezes penso que já se escreveu sobre tudo mas na verdade na verdade, ainda há muito assunto sobre o qual escrever e porque cada escritor escreverá sobre um assunto no seu estilo, terá certamente uma visão diferente da minha. Sendo assim sobre o que vou escrever? Ainda não sei, me fugiu a inspiração. Escrever é uma necessidade do escritor. Verdade que não me abandona o pensamento. Comecei a escrever um romance há já alguns anos e não avanço, bloqueei-me com um personagem, não saio daí. Vou escrevendo alguns poemas de quando a quando e um ou outro artigo para enviar ao meu amigo editor de cultura de um semanário da banda e não mais do que isso. Fui acometido de um apagão mental.

Vou já no quinto dia do novo ano e nada ainda escrevi. Fico aborrecido com essa ideia de não escrever coisa alguma. Nem mesmo um poema medíocre escrevi (quem determina a mediocridade de um poema?). Bem, sendo que um ano tem 365 dias, comprometo-me a escrever cada dia pelo menos uma página, ao final desse período terei escrito muitas páginas de seja lá o que for; (poderá até ser a maior mediocridade literária, mas terei escrito alguma coisa só pela necessidade de escrever) pensamentos, reflexões, crónicas, contos, poesia ou qualquer outra coisa diferente disso, mas tenho de escrever, afinal sou escritor.



Escritor é lutador

No suor dos teus dedos

Escreverás palavras molhadas

Palavras ressequidas escavadas

No túmulo da etimologia

E desenhadas pacientemente

Ainda que alfinetadas na mente

Coloquem pedras na inspiração

Pedaços da nossa tradição nossos

Hábitos e custumes resultarão estéticos

Nunca no diletantismo inconsequente

É comunicar o eu ao outro é necessidade

Escritor é desbravador



Até este parágrafo, não sei ao certo em que género classificarei estes textos, talvez até chamarei a isso um diário ou que seja (preciso mesmo classificar?), tenho de escrever diariamente. Está dito e ponto final.



Mulemba waxa Ngola, 05 de Janeiro de 2010. 22:36´

07 janeiro 2010

A Razão do Verso


Nos últimos tempos, o surto editorial que tem movimentado a literatura angolana, faz sobressair novos escritores mais propriamente no género poético. Isto demonstra o interesse da juventude angolana por este género. É devido a sua aparente facilidade na concepção? Que assim não seja pois o labor poético exige um acurado trabalho oficinal. Afinal, poesia sendo criação, o que não é o amontoar de versos, é antes de mais o trabalho acurado da palavra que é “rio de espinho” e também “suor da caneta”. E Eugénio de Andrade diz que “Poeta é pastor do ser, sublinhando a interacção profunda entre o ser e a sua revelação no acto poético”.

Mas qual é a “razão do verso” dos jovens poetas como; Nok Nogueira, Chaahoo Avô Ngola Avô, Leila dos Anjos, Kardo Bestilo, Orlando Kinguzo, Denise Kangandala, Zé Ndunguilo, Carlos Pedro, Babata Marouf e Nguimba Ngola? Analisemos o discurso destes poetas que ora seleccionamos pelo simples critério de termos em posse seus livros, certamente outros há que vão publicando seus textos reunidos em antologias como “Dunas do Deserto” de poetas jovens do Namibe e ainda outros que publicam em forma de áudio, tal o nosso amigo poeta e declamador Fridolim Kamolâkamue.

Segundo o professor Jorge Macedo, “… parece problemático juntar a idade à circunstância de o escritor ter aparecido a público pela primeira vez pela grande razão de ser a qualidade, maturidade da obra que afirma o escritor, servindo o tempo mais para aquisição de experiência ou até de decadência, estagnação. Por vezes publica-se a melhor obra quando se é jovem, nunca mais se repetindo a proeza. O termo jovem transporta consigo a tentação de confundir juventude com iniciação…” ( in Poéticas na Literatura Angolana). Daí que entenda-se juventude neste texto, novos poetas, e isto ajuda-nos a colocarmo-nos no nosso lugar, nosso espaço literário sem no entanto minimizarmos a qualidade dos nossos escritos.

Posto o acima, ora vejamos Denise Kangandala, justificando a razão da sua poesia “Hoje escrevi no verso da mão o clamor do universo/pelo amor me perdi na razão da mente…// escrevi o anseio do verso para que o universo me chamasse/ pela graça e pelo abraço da esperança…” (Ascensão Cósmica-Nzila 2008, pg43). Para Orlando Kinguzo, “a poesia caminha de noite” é nesta hora que o jovem poeta constata que “a existência arrasta-me atrás da sorte/ agasalhando-me com poesia e luar/ nos instantes de angústia e solidão”. (A Arte de Sentir-Nzila 2007). Zé Ndunguilo, o poeta do Uíge, dialoga com o receptor da sua mensagem comunicando-lhe que “na hora do prelúdio/ a minha voz/ rarefaz os barcos/ de cartolinas de plástico//…penso irrigar o recinto/ do vulcão/ da minha palavra/ para somar victória/ a minha voz/ (entre) cruza/a fé do vento/ e nomeia com a boca/ a ondulação do (re) gato” (Prelúdio Sobre o Fogo dos Oceanos-Dilanel 2008, pg22).

O nosso confrade Carlos Pedro, irreverente no seu discurso, mostra-nos que “o poeta faz das viagens da vida/ pegadas do passado/ armazena nos versos da alma/ dilemas das épocas de outras luas/ são versos gerados pela caneta do quotidiano//… o poeta toca a guitarra do tempo/ eternizando a voz do dia/… de tempestade?/ de arco-íris?.../ não importa/deposita-os/ no kafocolo da nostalgia.” (Pegadas do Passado-UEA 2009, pg5). Nok Nogueira, vencedor do prémio literário António Jacinto 2004, canta um tempo africano em que a “nomenclatura do verso africano” nos revela a razão do verso, “meu verso tem discurso modesto na senda do pranto/ na gramática poética africana há uma memória proverbial/ um ritual sinfónico no sémen das gerações um sincero gesto de amor”. (Tempo Africano-UEA 2006, pg46). Em Babata Marouf, o poeta das Lundas, o verso é livre como andorinha que “vibrando nas cordas do ar livre/ na arquitectura dos sentidos”. (Livre Andorinha-BJL/LN 2009, pg11). Para Nguimba Ngola “é nganza nas curvas do verso/ em cada bolso uma opinião/ um senão” apesar do olhar desprezível de alguns “vigias” que “mastigam a semântica/ na erudição/ Mente esclarecida/ no lago das metáforas que pintam/ no cume da paz”. A “doce poesia” dos novos poetas é “Rosto opaco/ olhar subjectivo”, e como escrevemos “nego-me aos caprichos da tradição e da erudição/ sigo livremente nos trilhos da criação/ e costuro poemas de Paz e Amor e Consolo/ na marginal da vida” (Mátria-Arte Viva 2009, pg50,52).

Lemos em “Dicionário Breve de Termos Literários” de O.Paz e A.Moniz que “a riqueza de um texto literário procede justamente do equilíbrio que resulta da sabia articulação entre forma e conteúdo traduzindo-se numa sugestiva e criativa interpretação do homem e da sociedade, apartir dos aspectos regionais e nacionais de uma dada época e dos valores universais e metalinguisticos”. Podemos notar essa riqueza nos poetas acima analisados e destacamos a qualidade formal, isto é, os elementos fono-acústico da língua com que Carlos Pedro tece sua obra. Kardo Bestilo nos traz o verso como sendo um “Controverso” obra editada em 2007 pela Europress que na sua forma, em alguns lugares, se nos apresenta como “poema em prosa”, apropriando-nos da expressão de Baudelaire (pequenos poemas em prosa, 1869) que visa designar a composição poética, em razão da sua beleza formal (musicalidade, ritmo), ainda que despojada de métrica e rima.

A vasta maioria dos poetas acima carrega um grande sentido lírico exprimindo desta feita a onda afectiva, emocional e sentimental do sujeito emissor, tal podemos notar por exemplo em “Angels-UEA 2005” de Leila dos Anjos onde os “efeitos contraditórios e desconcertantes da paixão amorosa” sobressai, apesar de ser “Poesia Pura” como diria Edgar A. Poe que, visa paradoxalmente desnudar o texto poético de artifícios retóricos. No entanto, ela é “voz promissora” como nos garante Vasconcelos, AB, autor de “Tábua”. Os jovens poetas também tendem a ser satíricos desferindo com linguagem muitas vezes não lógica, reticente e sugestiva, crítica social com doseada ironia e sarcasmo. Assim entendo C.Avô Ngola Avô quando escreve “Cor da fome// não deixem/ que as muletas/ atinjam a/ cor da fome” e ainda “na minha garganta/ há uma camioneta/ com matriculas de / fome e ódio// na minha garganta/ há um prédio de cem/ andares de corpo anémico”.

“A mensagem dum escritor, se não é claramente indicada, pode depreender-se dos temas mais recorrentes do seu texto, sobretudo no caso daqueles que … fazem uso mais abundante dos métodos surrealistas” A. Kambwa (2003, p138). É assim que captamos a mensagem codificada dos poetas que “hora cantando amor hora cantando desamor… lutando pela liberdade da vida” nos escrevem;
“Sonho desnorteado na insónia das areias sonolentas”, “aqui trago as mágoas ironia do sorriso na embriaguez da alma” “oh!.. deus dos homens que não entendo jamais o sol acordará”. Carlos Pedro com “palavras molhadas” dando voz à “pobres flores” “com caras de ruas anémicas/ já não sonham a coroa da glória”. Zé Ndunguilo levanta ainda o “lamento” e questiona “por que razão não/ moldar o astro esquivo no deserto/ da miséria” e ele avisa “não castrem a semente/ da promessa/ que fiz ao sol/ sobre a minha (des) memória/ amarelada de cor discriminada”. Na verdade a razão dos versos dos novos poetas continua sendo “um espelho dos anseios, esperanças, temores, sonhos, que se debatem na alma juvenil” daí que, Nguimba Ngola vislumbra “nos caminhos surreais da alma” “uma esperança” e “o sorriso do mendigo reluz na praça pública/ beijando sonhos de um céu transparente/ que resolva “os problemas do povo”.

Assim sendo, caros confrades e leitores, ainda há “a necessidade e urgência de os escritores se organizarem colectivamente para prosseguirem nesta longa luta do nosso povo para a conquista de um futuro digno, liberto de todas as formas de alienação, exploração e dependência, numa sociedade democrática e progressista” (Carlos Ervedosa – Roteiro da Literatura Angolana-UEA).
Nguimba Ngola
Mulemba waxa Ngola, 18-19 de Outubro de 2009. 6:57´.

Quando penso na poesia, ela fica cada vez mais longe: qual é a sua Pátria afinal?


Por Abreu Paxe


Falar de poesia continua a revelar-se um exercício complicado. Cada vez mais, ela torna-se mais indefinível, mais elástica e mais labiríntica, alicerçando recuos e avanços, apelando constantemente memórias. Ao abordarmos a poesia de Nguimba Ngola, reunida sob o título genérico de “Mátria”, levou-nos, a propósito do que colhemos, a questionarmo-nos mais uma vez sobre o que era poesia, evocando todos os sentidos que possuímos e que nos orientam para abordá-la, aliás, a própria poesia funda-se num permanente exercício de questionamentos, tanto na perspectiva de quem a produz, como de quem a aborda pela leitura. Tomo a leitura aqui de forma mais genérica. Dizia, questionávamo-nos pelo facto de sabermos à luz das teorias da literatura, mas propriamente da estética da recepção, que havia poesia de leitura e poesia de escrita. Então, trazendo ao de cima estas evidências, surge-nos a pergunta castradora. Onde situar a poesia que nos chegou à mão? Sabemos ainda que a poesia da leitura visa construir a dialéctica do desejo e do jogo que suscita a fruição. Uma poesia que provoca o leitor na sua função de produtor e de colector de signos que ele vai repescando ordinariamente e os combinar para formar sentido, mas do que lhe propondo uma poética de escrita, ao modo da poesia experimental, ou ainda, da concreta. Escrita predominantemente conotativa, é verdade, mas que desvia o leitor e dá-lhe a vil tentação de construir novos sentidos para as palavras, para privilegiar as relações entre o texto e o leitor, levando-o a ler e a reler, até a formação de uma constelação de significados probabilísticos e talvez efémeros, mas todos com alguns elementos de fruição e prazer.


O texto poético de Nguimba Ngola, pelas nossas constatações, está alicerçado num discurso fluido e marcantemente dialogal e, as vezes até, denotativo, nomeando referentes imediatos. Este tipo de poesia, embora com textos que pareçam dizer claramente tudo, esconde nas suas profundezas elementos que não revelam com evidência a informação dos signos. Estes ludibriam seguramente uma leitura linear, exigindo do leitor a necessária lupa para vigiar estes signos. E, é daí, onde vamos extrair esta constelação de significados, partindo do próprio título que também nos pareceu ser um forte indicador de leitura. A palavra “Mátria” que dá título ao poemário que estamos a apresentar, pelo seu significado, dá-nos a ideia da pátria vista do lado feminino. Ao pensarmos nisso, somos assaltados pela ideia da Mãe, que é África, o berço da humanidade, o que o poeta alude como “África mãe do cordão umbilical p.31”.


Pensamos também na mãe criada pelo poeta através das imagens e símbolos que dão força e expressão ao topos da nossa experiência comum, o que acontece, por exemplo, por um lado, com as zonas de fronteira que o poeta cria ao introduzir termos kimbudu em textos como, “(…)/no cume do cérebro do Ngana Kota(…)// Ndengue dilaji pinta o algodão(…)//Muloji a kime/Kine mo túbia(…)” em nas labaredas da incompreensão p.19, termos como Kúmbu em Malefícios do vício, p.20, termos como mulemba waxa ngola em Mulemba waxa Ngola p.35, “(…) (Ana mbwiji adila xinde dimoxi)” em Versos de perdão p.59, “(…) no estômago desgraçado de Nga Sessa(…)//Kudile mamã, não chores não oh minha mãe (…)// Dixibe ngó mamã(…), em Olhos brancos de maçaroca p.75, e, por outro, como a semiosfera criada com termos locais como “(…) tem valor guardar a mabanga do prazer/para salalé comer?(…) p29, “Kúmbu sujo”, “amiga da zunga//(…) quinda na cabeça//(…)zunga Luanda(…)// Amigo está aqui a fruta frutinha gostosa é cinco kwanzas p. 76”, “kissângua, cola, gegimbre de amor, p.80”, “salta golpes no cavalo azul e branco/ adormecido no trânsito, p.81”. O nosso poeta também fala do lar, das ruas, do musseque, de pai, do filho, de criança, de garrafinhas, de bica bidon, de cassumbula, do há dar aí revista e ninguém me revista, da escola, da unidade familiar, da noite, da pobreza, da riqueza, da dor, das calemas, das pétalas, do amor, da fauna, dos tambores, do kilimanjaro, do kissanje, de kalandula, do kalahari, do petróleo, de Shengor, de Neto, de Lumumba, de Cabral, de Mandela, de Darfur, de abutres, de liamba, de libanga, de malambas, de bangas, de Ngola Kiluanje kia samba, de Cacuaco, do Sambizanga, do Farol das Lagostas, do Cemitério do 14, da sanita madalena, de Ondjaki, de Kafukeno, de sereia, de sarjetas, de esgotos, de lixo, da mbanza Luanda, da vitória é certa, do Unguanhã, da mulemba, dos quibutos, do candongueiro, dos mendigos, dos desafortunados. Tudo isto, aparece deliberadamente exposto nos seus textos, para demonstrar o seu desejo de esculpir palavras: “meus olhos lambem a rubra poeira/transportadas nas vértebras da pobreza//meus olhos saboreiam o paladar lamacento/de ruas incontornáveis de miséria (…) //o brilho multicolor da imundice p.85”, “é a vida que se vive aos olhos da quianda p.84”, “(…) nas ruas da cidade na mocidade dos dias/ sem barulho dos canhões da outrora p.78”, “Quero a minha madrugada límpida e serena/devolvam-na já oh mestres da escuridão p.79”, por isso, “Meu sangue verseja/o recital do quotidiano (…)//(…) (n)o contraste da hierarquia/ na anarquia dos rendimentos (…)p.81”. Fica assim demonstrada a retórica alterneira a serviço de temas sociais e políticos.


Em suma, o registo estilístico, do texto que estamos a apresentar, pode ser inventariado a partir daquilo que Eco alude como o prototexto que nós percebemos a partir do metatexto, neste caso a poesia de Ngimba Ngola, ao vigiarmos a organização das séries temáticas tais como acima se aludiu e aproximá-las aos músicos como Rui Mingas e Teta Lando no texto da p.22 e com Valdemar Bastos no texto da p.76 e das Gingas em Mbanza Luanda. Mas também ao vigiarmos, em termos formais, as obras de semelhante organização temática: em Camões com o mote e a glosa, na sua poesia épica, a forma como o nosso poeta organiza os cinco momentos de que se compõe o livro, vem-nos isto à memória, em José da Silva Maia Ferreira, às dedicatórias e os ecos do romantismo, poesia relação social, daquela poesia ramo de flores para os amigos como escreveu Mário António, ilustrados nos textos do quarto momento, em Cordeiro da Mata com as características adivinhísticas na construção do texto, ilustrados nas páginas 70 e 71 em Chaves Douradas e Xé Félito respectivamente, em Viriato da Cruz no seu aspecto coloquial, em Agostinho Neto e tantos outros poetas, citados num outro texto nosso de apresentação, no hibridismo linguístico.


Os elementos acima apontados constituem-se em referências inequívocas da arte e poesia não só do mundo, no caso de Camões, como de Angola e com eles, ainda hoje, poetas como Nguimba Ngola vão mantendo recorrentes afectos e confirma o diálogo com a primeira fase de formação da nossa literatura e não só.Esta possibilidade de leitura que nos dá Nguimba Ngola faz com que o mesmo se institua como poeta e viva a poesia, como ele mesmo diz “Tateio no escuro dos versos/a escuridão poética é profunda/trilho forma e conteúdos dispersos/na hermenêutica da palavras//É um paradoxo/a cor da poesia/pintando na tela das correntes/quentes do dogmatismo coxo//Eu solto humildes versos/ magia das palavras/que brindam as pétalas da mente/com aprazíveis sinfonias//nego-me aos caprichos da tradição e da erudição/sigo livremente nos trilhos da criação/e costuro poemas de Paz e Amor e Consolo/na marginal da vida//é a poesia que faz a magia/nas pontas livres dos meus dedos// viva a poesia p.52”. Postos aqui e inventariando os elementos que proporcionaram a nossa caminhada que trouxe até cá, olhando ainda para este texto do poeta que vimos apresentar, concluímos que quando pensamos na poesia, ela fica cada vez mais longe de si mesmo e de nós. Por isso, fica a pergunta necessária para pensarmos na poesia, para pensarmos na literatura, para pensarmos na teoria literária. Qual é a pátria da poesia?