25 novembro 2010

A dimensão social da Literatura Angolana 35 anos depois da independência

A literatura para De Bonald é a expressão da sociedade e, aos olhos românticos, aproxima-se da vida. Mas do que só entretenimento, a literatura ainda tem o objectivo de sensibilizar e guiar a sociedade. Ao longo dos anos depois da independência, a literatura angolana tem sido marcada com vários discursos. Vamos aqui ater-nos aos aspectos sociais que intrinsecamente encontramos na literatura de angolana.

Em Dezembro de 1975, os escritores angolanos reunidos constituem a União dos Escritores Angolanos. Eles são chamados a permanecerem na vanguarda, face às grandes tarefas de libertação e reconstrução nacional. Foi assim com os predecessores dos novos escritores na altura que, na sua época, exprimiram os anseios das camadas sociais mais vulneráveis, que mais sofreram a exploração do então regime colonial.

Os escritores eram como “o sacerdote do povo e, do povo cantavam as angústias, a dor e alegrias”. Não sendo apenas uma necessidade estética, a literatura servia também como um meio de afirmação do Homem Angolano.
Com as suas especificidades culturais e suas tradições, Angola tinha que continuar em busca da independência cultural. Nesses primeiros anos de liberdade, a literatura ainda carregava o legado das gerações passadas.

Agostinho Neto, um ícone da literatura angolana, mais propriamente da poesia, pretendia uma literatura engajada. Por seu lado, o escritor Eugénio Ferreira, em 1979, incentiva os seus companheiros de letras e cultura, sublinhando que o fundamental “é que a obra literária ou artística responda às exigências de luta das massas populares... a matéria-prima de toda literatura e de toda arte deve ser a realidade social”.

Para Sainte-Beuve, as transformações políticas e sociais exercem influência estimulante no conteúdo da arte e na sua função actuante na sociedade. Assim foi que de 1975 a 1985, a carga ideológica do momento vivido em Angola foi muito marcante. Na poesia os nomes de Jofre Rocha com o seu “Assim se Fez Madrugada”, Manuel Rui com “11 Poemas em Novembro”, Ruy Duarte de Carvalho com “A Decisão da Idade”, ainda Jorge Macedo com o livro “Clima do Povo” entre outros poetas, reflectem os contornos da situação do momento.

O escritor Henriques Abranches mostra nessa altura o seu posicionamento com o texto “Reflexões sobre a Cultura Nacional - UEA, edições 70, 1980”. O romancista Pepetela vem com um discurso crítico-social, verdadeiras análises sociológicas, que se pode notar na obra “O Cão e os Calús”, publicada em 1985, onde a figura central é Tico, um poeta, filho de uma quitandeira que vive da especulação facilitada pelas dificuldades de abastecimento de produtos alimentares essenciais.

Nesta escrita inconformista, vale a pena citar ainda o escritor Manuel dos Santos Lima e o seu livro “As Lágrimas e o Vento” e, com certa ironia e um modo divertido Manuel Rui aborda vários aspectos do que caracterizava o quotidiano do momento com o seu livro “Quem me dera ser onda, 1982”.

Dinâmica literária juvenil e novos ventos literários

Em 1981, os jovens escritores que foram referidos por "novíssima geração" surgem na arena com um “discurso de nítido pendor militante”, de acordo com o crítico Pires Laranjeira. A Brigada Jovem de Literatura preencheu os espaços poéticos da década de 80, tendo publicado alguns números da revista Aspiração que deu alento a um novo período da literatura angolana - o da Renovação – movimento que tentava responder às expectativas dos responsáveis oficiais que, face à incapacidade de resposta no que diz respeito à literatura, em sede universitária, procuravam motivar e interessar a juventude para a "coisa" literária. Destaca-se também o grupo Literário OHANDANJI, formado em 1984, com Luís kandjimbo, Lopito Feijóo, António Panguila, Cikakata Mbalundu (Aníbal Simões), Domingos Ginginha e Joca Paixão e outros.

De 1985 aos anos 90, a literatura angolana preenche-se com a temática da desilusão e da angústia diante da situação de Angola que enfrentava problemas sociais gravíssimos.

Os anos 90 trazem novos ventos políticos, manifestações jubilosas anunciavam o fim da guerra em 1991. É o inaugurar de uma era nova para o país.

O dilema se o escritor deve tomar posição em frente aos problemas contemporâneos ou atender ao seu mundo interior, continua. Os escritores angolanos continuam a revelar aos seus leitores, o amor, as emoções e os actos de altruísmos perante o sofrimento dos outros e o apelo à mudança de consciência perante os comportamentos negativos.

Na óptica de Pires Laranjeira, um estudioso da literatura de Angola, esta “é uma literatura como a de qualquer outro país, com escritores de variados géneros e estilos; com temáticas universais como a morte, a luta pela sobrevivência, a critica do poder político, a critica social, etc. …”

Finalmente, o brasileiro Ricardo Riso, ao criticar a obra de Roderick Nehone escritor que se revelou nos anos 90 considera que a literatura angolana passou da “euforia comunista dos primeiros anos do país à grave crise que se espalhou nas décadas de 1980/90, motivada pela guerra civil”, realçando que “o fim do sangrento conflito no início deste século e a entrada desenfreada do capital estrangeiro, consequência da estabilidade política, Angola, mais precisamente Luanda, com suas peculiaridades e contradições, sempre foi um terreno fértil para os escritores”.

Presentemente, não é exagero afirmar que a literatura angolana ganhou maturidade e consistência e um contínuo espelhar da sua dimensão social.
Nota das fotos: Capa do livro de Pepetela, foto da net; Luís Kandjimbo, foto de Ricardo Riso e Nguimba Ngola, foto do Movimento Lev´Arte.

23 novembro 2010

Consulado do Vazio - Poesia de Gociante Patissa


Não se fez manhã ainda

Sou mais um
um mais apenas
entre milhares de anónimas penas

Pinto nestas linhas de poema desarmado
um marco de respeito pelas ideias
que morreram no peito
sem terem subido à boca
ou descido às mãos
ou beijado montras

Àqueles cuja imaginação e sonhos
se tornaram predilectos rivais
empresto uma certeza
com o calibre das outras e algo mais
não se fez manhã ainda
e não há obstáculo cricial
quando vai o coração aos pedais


Contemplação

Contemplei a equação da calema
um tanto brava
e ao mesmo tempo de toques ternos
afaguei as águas que no vai-e-vem
talvez química biologia - não sei
conservam o eterno frio sob azul

Li em cada movimento um verso
descontraído ajoelhado
como se a rezar o terço
mas a vida não é como mar
tem escala relógio e bumbar
o dever não quis esperar
e tive de zarpar


in Consulado do Vazio - KAT, Benguela 2008.

Gociante Patissa - Natural de Benguela é fundador da Associação Juvenil para a Solidariedade (AJS), estudante de Linguística no ISCED de Benguela.

Escreveu também:

A última Ouvinte, UEA 2010. Contos

O blog do poeta:
http://angodebates.blogspot.com/

A decomposição da humanidade e a sobrevivência de Simba Ukolo





O sol, como bola de fogo a esconder-se entre as árvores da Avenida de Portugal, despedia-se depois de ter cumprido com mais uma missão. Meus pés corriam lesto ao Instituto Camões. “O Quase Fim do Mundo”, novo romance de Pepetela, foi o motivo de cerca de três centenas de pessoas lotarem o auditório atribuído o seu nome, em homenagem ao Prémio Camões de 1997 ganho pelo mesmo escritor.

Foi um lançamento despido dos discursos de apresentação a que nos habituaram na nossa praça. Um diálogo sorridente entre Jacques dos Santos da Editora Chá de Caxinde, Fernando Telles, embaixador de Portugal em Angola, e o “monstro” da narrativa angolana, em perfeita interacção com a magnífica plateia em que desabrochavam distintas figuras da vida social angolana.

Segundo Pepetela, autor da obra, o livro deve apresentar-se por sí, pelo que escusado é apresentação extra. As primeiras páginas do seu romance, com um relato sobre Simba Ukolo, sobrevivente do fim do mundo, aguçaram o nosso desejo de leitura.

Uma longa fila (não de contratados, claro) de leitores, “afadigavam-se” para autografarem seus exemplares. Esgotaram-se os mais de 200 exemplares que a Chá de Caxinde levou ao local do evento, onde muitos leitores se viram frustrados, “lerparam”, por não terem conseguido comprar o livro que estava a ser comercializado por 2.500,00 kwanzas.

No final o brinde com um cockatail e, a correria dos repórteres a caçarem momentos memoráveis, e eu qual aprendiz a escriba sacando a pose com o guru . Felicitações ao escritor e que a caminhada literária seja longa com intuito de proporcionar ao espaço lusófono, anglofóno e todos outros possíveis, agradáveis emoções.




Nota: Texto publicado no Jornal Folha8, 23 de Fevereiro de 2008. Trago-o em retrospectiva.

21 novembro 2010

Os artistas e a independência

35 anos de independência! Estamos deveras livres do "fardo" colonial. Muitas figuras destacaram-se nesse tempo sendo protagonistas políticos. O Semanário Angolense, edição 392, destacou várias personalidades dentre as quais, artistas que não ficaram de parte no processo. Na música os nomes de Urbano de Castro, Artur Nunes, David Zé sempre ficarão na memória e, Viteix nas artes plásticas. Repesco de lá duas figuras que marcam as letras angolanas, artistas da palavra, Manuel Rui e Wanhenga Xitu.



RUI MONTEIRO

MRM é um dos autores angolanos mais traduzidos no estrangeiro. Um feroz cultor das tertúlias intelectuais, causou furor quando, defendendo as posições do Governo, derrotou Sousa Jamba, um intelectual que perfilava a periferia da UNITA, num debate televisivo transmitido depois de Setembro de 1992, em Lisboa e em Luanda, para discutir as causas do conflito pós-eleitoral. Nenhum desses factos, porém, lhe haverá de conferir um lugar incontornável na nossa história recente. MRM será definitivamente recordado pela história por, em Julho de 1976, ter conduzido a acusação contra 13 mercenários britânicos e norte-americanos, aprisionados nos meses precedentes, enquanto participavam em acções de combate no interior de Angola. O julgamento foi o primeiro em todo o Mundo em que o mercenarismo, uma das mais antigas profissões do planeta, foi levado a tribunal, dando lugar à condenação dos seus agentes e a uma drástica mudança de atitude dos Estados face ao fenómeno. A opinião pública simpatizou tanto com o processo, ao ponto de um dos seus mais influentes representantes da época, o falecido jornalista australiano Wilfred Barchet, ter escrito logo a seguir um livro em que considerava os mercenários «prostitutas de guerra». Manuel Rui é colaborador do Semanário Angolense, em que publica as suas crónicas dedicadas às suas «primas».


MENDES DE CARVALHO

Pode gabar-se de ser o único angolano que já chegou a ministro da Saúde sem ser médico. Conseguiu isso como uma espécie de reconhecimento pelo importante papel que desempenhou na luta política contra o colonialismo português, que lhe custou amargos anos de cadeia. Fez parte do «Processo dos 50», um julgamento político que se tornou histórico por marcar uma fase decisiva da mobilização dos angolanos para a luta pela independência. Mas, é também como escritor de primeira água que se tornou notável, já na pele de Wanhenga Xitu. Livros como «Manana», «Mestre Tamoda», «Bola com Feitiço», «O ministro» e «Os discursos de Mestre Tamoda» são as suas principais credenciais neste sector, tendo tido o privilégio de a sua obra ser estudada em universidades estrangeiras. Já octogenário, fez-se notar como homem que buscava equilíbrios entre partes desavindas, sobretudo no seio do seu partido ou como um excelente defensor das gentes humildes deste país, com pronunciamentos incisivos no Parlamento. Ficou também famoso por ter o único que, no grande debate «onomatopaico» havido aí há uns anos, conseguiu provar a Mena Abrantes, sem recurso a grandes oratórias, que até os homens podem relinchar…
Fonte dos textos sobre os escritores: Semanário Angolense, edição 392.