29 outubro 2010

Do Inferno ao Céu


Depois do Parandele de Belize, Alírio da Cruz é o segundo poeta natural de Cabinda que conheci. Ambos solicitaram-me para que comentasse seus textos poéticos. Devo salientar que apresentar uma obra literária é tarefa árdua pois que cada texto pessoal é fruto de condições únicas que respeitam ao seu contexto de produção. Há ainda os constrangimentos recíprocos na hora do pedido mas no final cedemos e arriscamos.

É dizer ainda que não somos especialista em matéria de teoria literária pelo que exercícios do gênero são frutos de autodidatismo e o intrínseco gosto pela arte literária. Assim sendo faremos uma breve apresentação para tentar indicar os propósitos da obra do amigo Alírio da Cruz e que desde já digo é puramente indispensável pois o livro por si deve apresentar-se.

Vamos reter o termo inferno que é usado por diferentes religiões, mitologias e filosofias, representando a morada dos mortos, ou lugar de grande sofrimento e de condenação. A origem do termo é latina: infernum, que significa "as profundezas" ou o "mundo inferior". Na visão espiritista, o inferno é um estado de consciência da pessoa que incorre em ações contrárias às estabelecidas pelas leis morais, as quais estão esculpidas na consciência de cada pessoa.

Quando maculamos nossa consciência passamos a viver em desajuste mais ou menos significativo de acordo com o grau de gravidade das nossas acções infelizes e, consequentemente surgem os desequilíbrios no campo espiritual, emocional, psicológico ou até mesmo orgânico. Eis que esta situação causa tremendos sofrimentos.

Dai, o poeta pensa em soltar gargalhadas ao inferno de modo a destroçar “o inferno da vida/ vida retida em ventos inquietando a retina”. As gargalhadas permitirão às “almas cativas no pranto vivo” a caminhar. (p.21)

Alírio da Cruz apropria-se da metáfora do inferno para cantar a “dor de ser gente” (p.23):


Indecifráveis são os segredos íntimos da alma
Consolada
Na calma da madrugada adormecida
Em quatro estrelas
Sentinelas vadias da alvorada molhada
Num rosto que fala mas não diz nada
Se cala
Sentindo o inferno da gente
Queimando o pouco ar que o faz ser gente”

O poeta com seu olhar microscópico mostra-nos alguns “produtos do inferno” (p.26):

“Enquanto vidas deambulam despercebidas/ Na calçada do dia/ o inferno vende seus produtos...” que são:

“peito exposto ou decotes mal protegidos” o que resulta em “um cálice de desejos/ temperando carne crua na churrasqueira da noite”. O fuzil que planta medo, a arrogãncia alcoolizada, “o rebento de um fecto parido” provavelmente deixado ao relento da vida, são “moedas do inferno”. (p. 39) Nessa interacção infernal, alguns actores sociais são “vendedores do inferno” e o poeta a estes avisa que “Não compramos /dores infinitas/ dissabores/ prantos.../ Não compramos os teus fingidos beijos/ os teus caprichosos desejos libidinosos anseios/ de nos encaminhar no mar de fogo...”

Quem sente hoje essa caminhada infernal? Muitos povos certamente e, aqui fica nas entrelinhas um clamor às autoridades governamentais para que se empenhem em ajudar o povo a sair do inferno da miséria, da pobreza pois Angola já está em paz e o povo, este sofrido povo, ainda tem “confiança alicerçada na tolerância zero e combate a corrupção” (p.59).

O amor é também causa de sofrimentos? Sim para o poeta que exprime maioritariamente nos seus cerca de 9 dezenas de textos um forte lirismo. O poeta chora, “chora amargamente”, tem angústias amorosas, é profundamente apaixonado e por amar demais ele sofre, que inferno!

“Paz não encontro, sofro/ não me concentro e choro.../ a quem dei meu amor/ como um grande refém/ em sua vida me retem/ e morto ou vivo, não me quer...” (p.17) e o pranto continua:

“És verdade, como um sonho para esquecer/ de querer aumentar no fogo a chama do amor/” .

Eis o fogo do inferno do amor não correspondido mas, para consolo “sempre vence o amor” (p.33) dai que o poeta brinda ternas palavras a virgem bela do Maiombe cujos os “pés desenham pureza” (p.81), essa “mulher ibinda/ formosa e linda.../ de panos e missangas.../ encanta a todos...” (p.84).

O poeta já não quer mais inferno, nem para si, nem para sua amada, nem para nenhum ser vivente, ele quer tão-somente:

“colher frutos/ verdes frutos/ colher doces.../ colher cinzas vivas/ esconder folhas mortas/ não quero/ não, inferno não.

Segue daí o desejo de o Céu atingir “no lugar certo eu quero estar...” i.é, na “casa de Deus “ (p.97)

“Arrebata-me senhor/ junto de ti/ nas nuvens onde esperas por mim/ para me envolveres com teu amor sem fim”. É a crença do poeta que é cristão num futuro feliz.

Alírio da Cruz que na outra pele é licenciado em Direito, brinda-nos assim com estas palavras artisticamente desenhadas, que em Cabinda tem comovido corações de muitos ouvintes nas diversas actividades sócio-culturais.

As “sanzalas d´alma” do poeta aspiram continua busca no labor poético. Em muitos dos poemas sentimos a “musicalidade” que é dada pelo ritmo e pelas rimas, essas repetições criativas de alguns sons no final ou no interior dos versos. Mas no presente poemário alguns textos não atingem já um conseguimento estético da poesia na forma e no conteúdo o que denota um incipiente labor da palavra. É também chamar atenção ao uso da Língua Portuguesa, pois encontramos erros ortográficos e gramaticais em alguns textos o que me parece não terem merecido uma cuidada revisão.

Força poeta de Cabinda e continua a brindar-nos com belos versos.



Nguimba Ngola

Talatona, aos 28 de Outubro de 2010.

20 outubro 2010

Grande Prémio Sonangol de Literatura, edição 2011

Sob o olhar de Corsino Fortes, o prémio:

• Contribui e incentiva o gosto e a criação estética e a produção científica nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

• Promove a troca de experiências múltiplas e permite o desenvolvimento e o equilíbrio cultural e os interesses comuns no âmbito das artes e da literatura.

• É um importante vector para o desenvolvimento da arte, da ciência, e do intercâmbio cultural na comunidade.


O Vencedor do prémio


É o antropólo e historiador cabo-verdiano, João Lopes Filho concorrendo com o pseudónimo “Osagyeto Moisés.

A obra “Percursos & Destinos”

De acordo com o presidente do júri, o cabo-verdiano Corsino António Fortes, que fez o anúncio na sala de conferências da Sonangol, a escolha foi por unanimidade. Fortes fundamentou que o júri atribuiu o prémio pela audácia, pormenor descritivo e qualidade formal com que se retratou o percurso da insularidade, processos sociais, culturais de um determinado histórico da vida do povo cabo-verdiano.


Menções honrosas

O corpo de jurado da 11ª edição do grande prémio Sonangol de Literatura 2011 atribuiu menções honrosas às obras “Laço de Aço Lasso” de Jordão Augusto Trajano, de pseudónimo “Serafim”, de Angola, por constituir uma excelente partitura literária plasmada em sonetos.

A outra menção honrosa foi atribuída à obra “Filho do Planalto” de Marcelo Panguana, de pseudónimo “Zé Chibadura”, de nacionalidade moçambicana, pela coerência interna do seu conteúdo, pertinência, cristalização de formas, estilo e por permitir uma leitura lúdica.


              
O corpo de juri

Constituído pelo presidente, Corsino António Fortes, Cornélio Caley – Sonangol
Manuel Muanza - União dos Escritores Angolanos
Frederico Gustavo dos Anjos - São Tomé e Princípe
Francisco Conduto de Pinapela - Guiné Bissau
Carlos Paradona - Moçambique
António Fernandes da Costa - Ministério da Cultura de Angola.


Premiados em edições anteriores

2005 Obras Vencedoras:

Retalhos do Massacre de Batepá
Ficção histórica
Malé Madeçu (São Tomé)

Baban - O Ladino
Romance
Fidalgo Preto (Cabo Verde)

2003 Obras Vencedoras:

Tábua
Poesia
Adriano Botelho de Vasconcelos (Angola)

A Candidata
Romance
Vera Valentina Duarte (Cabo Verde)
Pseudónimo: Di-Ana

2001 Obra Vencedora:

A Dívida da Peixeira
Jacinto Lemos (Angolano)
Pseudónimo: Kalunga

Menção Honrosa:
Contos
Filipe Miguel

2000 Prémio Revelação:

As Asas do Sonho Ferido
Pombal João Manuel Maria
Pseudónimo: J. Tchingueia


1999 Obras Vencedoras:

Berta Ynari ou Pretérito Imperfeito da Vida
Jacques Arlindo dos Santos (Angola)
Pseudónimo: Kassala Kamukuku

Na Corda Bamba
Carlos Manuel de Melo Araújo (Cabo Verde)

Prémio Revelação
A Contagem Regressiva
José Correia Gonçalves
Pseudónimo: Zezo Baptista

1998 Obra Vencedora

O Ano do Cão
Frederico Manuel dos Santos e Silva Cardoso
Pseudónimo: Roderick Nehone

Menção Honrosa:

Catorze Poemas em Abril
Ana Maria de Fátima dos Santos Pereira
Pseudónimo: Lwey

Pausa
Cristóvão Luís Neto
Pseudónimo: Manuel Nginga

1996 Obra Vencedora

Estórias Dispersas da Vida de um Reino
Frederico Manuel dos Santos e Silva Cardoso
Pseudónimo: Roderick Nehone

Menção Honrosa:

Inkuna Minha Terra
Manuel Augusto Fragata de Morais
Pseudónimo: Roberto Vanulu

Amores Desencontrados
João Melo
Pseudónimo: Pedro Kameka

1995 Menção Honrosa:

O Rival
Ana Francisca de S. Major
Pseudónimo: Doriana

A Estrada da Secura
Luís Kandjimbo
Pseudónimo: Sá Kandingi

1994 Obra Vencedora

Caminhos dos Encantados
José Mena Abrantes

Menção Honrosa

Sinos d'Alma
Cristóvão Luís Neto
Pseudónimo: Manuel Nginga

Cacimbos
Mário Arsénio Gonçalves

Sacudidos pelo Vento
Isequíel Cristóvão Cori

O Sal dos Olhos do Mar
António Narciso Pompílio da Silva

1993 Obra Vencedora

O Homem das Sereias
João Espírito Santo
Pseudónimo: N'Lussolo

Menção Honrosa

Estrela Lundu
Ana Francisca da Silva Major
Pseudónimo: Doriana


O Grande Prémio Sonangol de Literatura foi instituído em 1987 e é entregue no dia 25 de Fevereiro, de cada ano, data de aniversário da Sonangol.


      Nas  foto: joão lopes filho - foto da net e
      Nguimba Ngola com o Jordão Trajano "Serafim"











Do punho do meu amigo Carlos Pedro, 3 anos depois...

É difícil mergulhar no mais profundo subterrâneo da poesia e, trazer à superfície a real intenção do criador enquanto o mesmo, sujeito-poético, limita-se em traduzir de uma forma recriada movido por um sentimento próprio ou emprestado à beleza do mundo (material ou imaterial) que o rodeia com todas as suas peripécias, utilizando um recurso inalcansável que se chama subjectividade, cujos os ditos phd, litero-psicopatas ou pedras vitalícias no mundo da literatura não conseguem penetrar, sem que o autor que nem sempre é o dono da criação (sabe-se lá de onde vem a inspiração, mistério dos deuses ou Deus) possa decifra-lo.

Cada poeta na psiquiatria literária é um mundo diferente do outro e, dentro dele e nele vive as suas loucuras. O mais disperso e loucuroso poeta convence o mundo, quer seja hoje ou daqui a milhares de anos, quando escreve com veracidade as realidades da sua época eternizando-o num tempo para as gerações vindouras, sem ter que temer os críticos que por vezes não conseguem criar o que criticam e, se criam não têm o livro como modelo capaz de mudar o Mundo ja que o artista, como diz o conceito netiano, é um formador de consciência, como é o caso do poema kumbú sujo que se assemelha a vida de muitos jovens desempregados ou mal empregados que não desfrutam os momentos hilariantes da vida com a mulher do sonho porque não há agulha política para remendar-lhes os bolsos rasgados.

Meu kamba das batalhas infinitas e das conversas filosóficas sabor a vinho, a medida que te escrevo e me escrevo neste dia cinzento em que os fantasmas anunciam a não entrega do prémio literário Antóno Jacinto por falta de qualidade sengundo os mesmos, há uma parte do universo literário que se afunda dentro de mim porque a história traz-me lembranças amargas de grandes poetas, artistas eternizados no tempo que na sua época mal entendidos, foram escorraçados ou até mesmo mortos aprovados somente por esta geração, por isso o poeta não precisa de perguntar ao outro poeta se o é, porque já o é mesmo sem querer ainda que os habitantes desta época não o aprovam.

O poeta é como as ervas daninhas, nascem por sí só, mesmo sem serem regadas estão sempre novas e verdes. O mais importante é estar no meio dos poetas a crescer, ler, pesquisar, debater e estabelecer um intercâmbio com a arte nas mais variadas disciplinas.

A nossa geração vencerá, aguardo-te na verdadeira união dos escritores angolanos dos nossos sonhos, lá.... no lá a frente das nossas vidas.

Carlos Pedro

Poeta e Estudante de Línguas e Literaturas Africanas.

Sede da Brigada Jovem de Literatura de Angola , aos 01 de Setembro de 2007.

07 outubro 2010

Literatura não pode ser só divertimento

O escritor peruano, Mario Vargas Llosa é o Prémio Nobel da Literatura de 2010. O escritor considera a possibilidade de a literatura "se converter nalguma coisa de marginal, relegada cada vez mais como actividade minoritária, e desenvolvida em catacumbas". Esta possibilidade encerra consequências graves para a humanidade, "haverá um grande empobrecimento da Humanidade". "E será por nossa causa, porque a literatura deve fazer parte da vida das famílias e dos programas de ensino a todos os níveis".

Qual o papel da literatura?

Num século onde o "best-seller" triunfa, deixa o escritor sem saber responder a essa pergunta. A escrita hoje é do tipo "light". Mesmo aceitando a sua função de entretenimento, avisou que a literatura não pode ser só divertimento. "Se o fosse, seria ultrapassada por outras formas mais eficazes. Não pode competir com a televisão e o cinema". "A riqueza não são as imagens. São ideias materializadas em palavras que se dizem nos livros".

O livro de literatura, é imprescindível para ensinar a falar as pessoas, defende o Nobel . "O vocabulário, os matizes, as subtilezas dão-os a boa literatura, que é aquela que mantém um alto nível de criatividade, daquilo que é diferente, do que não temos e com que sonhamos". Uma das superioridades da literatura, é a "vocação crítica, que os audiovisuais não têm ou têm domesticada".


Bibliografia


Ficção

Os Chefes (1959)
A cidade e os cachorros ("La ciudad y los perros") (1963)
A casa verde (1966) (Premio Rómulo Gallegos)
Conversa na catedral (1969)
Pantaleão e as visitadoras (1973)
Tia Júlia e o escrevinhador (1977)
A Guerra do Fim do Mundo (1981)
Historia de Mayta (1984)
Quem matou Palomino Molero? (1986)
O falador (1987)
Elogio da madrasta (1988)
Lituma nos Andes (1993). Premio Planeta
Os cadernos de Dom Rigoberto (1997)
A festa do bode (2000) - novela sobre a ditadura do general da República Dominicana, Rafael Leónidas Trujillo
O Paraíso na Outra Esquina (2003) - novela histórica sobre Paul Gauguin y Flora Tristán.
Travessuras da Menina Má (2006)


Teatro

A menina de Tacna (1981)
Kathie e o hipopótamo (1983)
La Chunga (1986)
El loco de los balcones (1993)
Olhos bonitos, quadros feios(1996)


Ensaio

García Márquez: historia de un deicidio (1971)
Historia secreta de una novela (1971)
La orgía perpetua: Flaubert y «Madame Bovary» (1975)
Contra viento y marea. Volúmen I (1962-1982) (1983)
Contra viento y marea. Volumen II (1972-1983) (1986)
La verdad de las mentiras: Ensayos sobre la novela moderna (1990)
Contra viento y marea. Volumen III (1964-1988) (1990)
Carta de batalla por Tirant lo Blanc (1991)
Desafíos a la libertad (1994)
La utopía arcaica. José María Arguedas y las ficciones del indigenismo (1996)
Cartas a un novelista (1997)
El lenguaje de la pasión (2001)
La tentación de lo imposible (2004) - ensayo


Prêmios e condecorações

Ao longo de sua carreira, Mario Vargas Llosa recebeu inúmeros prêmios e condecorações. Destacamos alguns: o Premio Rómulo Gallegos (1967) e principalmente o Prémio Cervantes (1994). Outros prêmios, a saber, o Prêmio Nacional de Novela do Peru em 1967, por seu romance A Casa Verde, o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras Espanha (1986) e o Prêmio da Paz de Autores da Alemanha, concedido na Feira do Livro de Frankfurt (1997). Em 1993 foi concedido o Prêmio Planeta por seu romance Lituma nos Andes. Uma grande relevância na sua carreira literária Prêmio Biblioteca Breve, que se deu por Batismo de Fogo, em 1963, marca o início de sua brilhante carreira literária internacional. É membro da Academia Peruana de Línguas desde 1977, e da Real Academia Española (RAE) desde 1994. Tem vários doutoramentos honoris causa por universidades da Europa, América e Ásia; pode-se citar os concedidos pelas universidades de Yale (1994), Universidade de Israel (1998), Harvard (1999), Universidade de Lima (2001), Oxford (2003), Universidade Europeia de Madrid (2005) e Sorbonne (2005). Foi condecorado pelo governo francês com Medalha de honra en 1985.


Nobel da Literatura

Ganhou o prémio Nobel da literatura em 2010


Referências