23 maio 2009

Inovação linguística em “Uma Maria João e os Knunca”



É com prazer que leio o novo título de Luís Rosa Lopes, “Uma Maria João e os Knunca” editado pela União dos Escritores Angolanos, edição de 2008. O acto de lançamento aconteceu na sede da UEA a 14 de Março do corrente ano. Luís Rosa Lopes é heterónimo de Luís Filipe de Castro Louro da Rosa Lopes que nasceu em Abril dia 14, considerado mês da juventude, no ano de 1954. Publicou “A Gota D´Água em 1984 e “Mu Ukulu, Ki tuexilé ku mayombola” em 2005. Logo traz já os dedos calejados na senda da narrativa angolana.


A análise a que nos prestamos neste espaço, não constitui já uma tarefa com todo o rigor científico no âmbito da crítica literária, antes ser uma modesta apreciação fruto das nossas notas de leitura atendendo que o texto literário institui uma comunicação sui generis, onde emissor e destinatário não se encontram face a face não possibilitando o feedback daí que, o leitor ou destinatário tem o poder de controlar, aprofundar a compreensão da mensagem, interropendo a leitura para meditar, relendo. (Cesare Segre 1999).


Luís Rosa Lopes nos apresenta nove contos, no seu estilo muitas vezes humorístico, o quotidiano duro dos personagens que vão a luta para o alcance de melhores condições de vida bem como “eternos debates entre a tradição e as adapatações a novas realidades” e uma visão futurística da cidade de Luanda sendo um apelo a quem de direito e reflexão dos citadinos amantes da “cidade-berço, a cidade-vivência, a cidade-prazer, a cidade-drama, a cidade-farra, a cidade vida e morte...”.


A característica marcante nos textos narrativos em “uma Maria João e os knunca” é a inovação linguística, senão vejamos a invenção da palavra knunca (junção do pronome que com o advérbio nunca) bem como aviãojado, que subentende os que nunca tinham viajado de avião.


A língua, sendo um meio de comunicação de uma sociedade, deve obedecer a um certo padrão para que os utilizadores dela possam entender-se apesar da possibilidade de variações linguísticas. Nós angolanos adoptamos a língua do colonizador, o Português, como sendo “língua oficial”. O regime colonial dos portugueses, mediante uma política assimilante com intenções de nos inculcar os hábitos e valores portugueses, permitiu a que uma boa parte dos angolanos se comunicassem nesta língua.


Entrementes, A língua portuguesa em Angola encontra-se em constante transformação. As interferências linguísticas resultantes do seu contacto com as línguas nacionais, tradicionais, a criação de novas palavras e expressões inventadas pela criatividade popular, bem como certos afastamentos à norma padrão de Portugal, imprimem-lhe uma nova força, vinculando-o e adaptando-o cada vez mais à realidade angolana. Podemos notar esta força bem patente na literatura, que é mesclada com as línguas locais tais como o kimbundu, umbundu e o kikongo para citar apenas estas. Luís Rosa Lopes não se alheia a este fenómeno, transcrevendo a fonética dos personagens tal e qual eles se expressam a exemplo dos kotas Uanhenga Xitu e Luandino Vieira. Nota-se o diálogo abaixo:


“ – Acarmam só, muzangálas! Isso vai dar pra todos... Não adianta só nos porradarmos à toa, né?


- Yá! Ta m´bora bom. Vamos se dividir sem n´vunda.”


Os sociolectos, como sendo série de variedades linguísticas relativas aos ambientes sociais a que pertencem os falantes e às condições em que se realiza a enunciação, não são rígidos, dada a circulação e os contactos entre os estratos sociais. Logo a escolha estilística reduz-se às opções oferecidadas pelo sociolecto e o comportamento do escritor que actua em princípio, dentro dos limites do registo literário. Ocorre que é, muitas vezes permitido, fazer uso de todas a variedades da língua bem como inovações do tipo que lemos em “Uma Maria João e os knunca”. (C.Segre 1999).
Que viva a literatura angolana e logicamente a nossa cultura.

Mulemba waxa Ngola, ao 09 de Abril de 2009. 01:25´