30 novembro 2015

Assinar autógrafos no livro Pegadas Íntimas
Com uma leitora











11 março 2015



 

2.              Pontos de partida

 

A publicação, em Luanda, de uma curta série de relatos de Ras Nguimba Ngola suscitou-me estas reflexões (Angola, 2014). O autor ainda não é considerado quando se fala em literatura angolana, mas isso mesmo constitui mais um desafio.

 Trata-se de um livro despretensioso, que reúne os relatos eróticos da vida de um jovem, desde a sua iniciação até à morte por ciúmes. O impulso erótico vai arrasando conceitos e preconceitos, ultrapassando barreiras, atravessando casais e virgens, panoramas mais e menos morais, mais e menos escondidos. Esse mesmo percurso é o da descoberta de que a moralidade, ou a vida religiosa, são válidas só quando resultam de uma vivência interior e que toda a vivência interior se realiza naturalmente.

 Gerais

A literatura angolana, a exemplo de muitas outras ao redor dela (ou seja: no resto do mundo), é uma literatura feita em rede. Se queremos compreender a específica angolanidade literária e, simultaneamente, a literariedade angolana, teremos de partir sempre da colocação, recolocação e releitura das obras respectivas (ou que julgamos respectivas). Há uma extensa tessitura textual dentro da qual, com a qual e partir da qual se criam relevos próprios que são as nossas obras. O mundo, nesse aspecto, é um tapete que ainda não acabou de se tecer – e cresce por dentro, insuflando-lhe por sopro alguma divindade as rugas localizadoras que nos remetem para a mesma origem.

 O modelo é já antigo. As Encíclicas papais, por exemplo, formam-se de uma adequada organização de citações de textos orientadores que nos conduzem à aplicação da doutrina inspirada a cada questão temporal que suscita a referida encíclica.

 As Encíclicas guiam-se por textos canónicos, ou seja, aceites como faróis para orientarem o nosso raciocínio na direcção correcta. A literatura, ou poesia como prefiro chamar, a maior parte das vezes não faz isso. O seu cânone é de gosto mas, pela peculiar sensibilidade artística, o gosto muda e, nos nossos tempos, em velocidade acelerada.

 Há uma pergunta preguiçosa que sempre nos repete uma curiosidade incipiente: mas acha mesmo que o autor faz isso tudo conscientemente? Eu não acho nada, não estou na cabeça dele. Quando leio, vendo frases como e lá fora os cães, recordo-me de uma série de textos onde li frases parecidas. A recordação traz-me uma série de evocações. Um bom crítico, entre outras coisas, é uma pessoa que tem muitas dessas recordações e repara na maioria dessas evocações. E porquê? Porque elas são estímulos de leitura, que activam e orientam a maneira como recebemos, interpretamos e saboreamos a poesia, ou literatura, enfim, a arte verbal. A nossa função, de críticos, alicerça-se em grande parte na nossa capacidade para percebermos como o texto funciona estimulado pela memória dos textos que evoca. Muito provavelmente os autores fazem o mesmo tipo de cálculos para perceberem que efeitos vão conseguir com o que escrevem. E assim funciona o circuito literário.

 A literatura angolana, que já foi controlada por cânones ideológicos (que substituíam os bíblicos na criatividade artística), está hoje muito mais livre de obrigações de gosto e vai, gradualmente, se transformando e se diversificando. Por isso ela precisa, cada vez mais, de críticos e autores com muitas leituras, incluindo com conhecimentos de textos orais, para que possamos como os livros que vão saindo podem interagir com os diversos leitores que temos.

 É por estas sendas que me parece valer a pena o prazer da leitura de textos novos de autores ainda não consagrados. Um risco, sem dúvida, porque muitos deles não vão sequer insistir (ou ser insistidos) e voltar a escrever ou publicar. Outros, por mais que insistam, não têm mesmo jeito… mas alguns suscitam, sem dúvida, um trabalho gratificante.

 
Concretamente, neste caso…

…a história pode começar um bocadinho mais atrás. Em 1956, Aimé Césaire publica em Paris a “tragédia” E os cães deixaram de ladrar (Et les chiens se taisaient – assim traduzido o título para português em 1975, no ano em que a Diabril a verteu para a nossa língua comum, em Lisboa. Em 1946 o poema, já longo, saíra numa primeira versão, uma espécie de poema dramático, integrado no livro Les armes miraculeuses. Mas é a segunda versão que nos marca, a versão que fica para a recepção como a ‘verdadeira’ e definitiva, já remexida para sair como peça de teatro (a primeira das quatro que o autor publicou).
Ao lermos o título deste livro de contos eróticos de Ras Nguimba Ngola, assalta-nos a memória a sombra de Césaire. Não sei se o autor pensou nisso mas, para o contexto da recepção, menos importa. Importa que o primeiro texto, depois do prólogo, começa por ‘ressuscitar Neto’, reforçando assim a memória da literatura militante. Entre as duas evocações (Césaire e Neto) há citações de Conceição Cristóvão e do próprio Ras Nguimba. Ambas as citações são de índole erótica e é sintomático isso para um leitor informado, ou avisado.

Num momento, geralmente considerado decisivo, da Tragédia de Césaire, quando a mãe do protagonista procura afastá-lo da determinação política, diz-lhe: “eu sonhei com um filho para fechar os olhos de sua mãe”. Esta voz, que parece a de um coro numa tragédia grega e acentua a sugestão dramática, de medo ou mesmo terror, recebe uma resposta típica dos tempos da poesia militante: “eu sonhei abrir sobre um outro sol os olhos dos meus filhos”.

Além da clara reversão da retórica trágica em retórica militante, coloca-se nessa breve confrontação um problema fundamental, no qual os críticos raramente reparam (aliás, nunca os ouvi falar nisso): a da reprodução, a do sentido da evolução. A referência ao(s) filho(s) na linguagem dos dois aponta claramente para aí. Para que fazemos filhos? Para nos fecharem os olhos ou para melhorarmos (transformarmos, diria Marx) as condições de vida?

Dando sinal da exacta colocação do livro na história urbana da semiosfera angolana, duas citações eróticas de autores recentes, ou mais recentes (reforçadas por várias outras ao longo do livro), são colocadas entre a evocação de Césaire no título e a citação de Neto no início da estória. O livro coloca-se desde logo, por essas inserções, no lugar dos tais filhos que abririam os olhos para um novo sol. Os filhos (e particularmente o protagonista) estão no momento da reprodução da espécie, no momento da exaltação do sexo e do corpo, mesmo convivendo com a moral aparentemente puritana várias vezes superada pelo desejo ao longo destes contos.

 Este posicionamento não coloca já a mesma questão que definiu gerações anteriores: que sol abrirá para os nossos filhos? Que mundo lhes legamos? Aqui, aliás, não chega a haver questão, há só o desejo e a luta do desejo para a plena realização, a qual não tem nada de extraordinário, de profético, de superior ou transcendente, é como é. Tão natural, aliás, quanto a aspiração a superá-lo na entrega mística.

 Se lermos cuidadosamente a citação de Neto, ela nem é bem uma citação, antes uma intertextualização que subverte o sentido político dos versos do poeta mais velho e mostra precisamente isto que digo. Reproduzo aqui:

 Ao passado agora mesmo estou sendo levado, numa escura noite nos bairros escuros do mundo sem luz… onde as vontades se diluíram e os homens se confundiram com as coisas… ruas sem luz… de braços dados com fantasmas, ressuscitando Neto. Duas meninas com beleza de invejar despontavam na Casa dos Sonhos.

 As frases em itálico são fragmentos do conhecido poema «Noite» de Neto. No novo contexto e com os cortes que foram feitos, ilustram uma realidade cuja comparação com a antiga surpreende. O esperado era que o novo sol afastasse as trevas, que as ruas tivessem luz, os bairros populares fossem iluminados e os filhos da revolução jovens militantes exemplares. Mas não se passa nada disso. O acontecido foi, no meio das ruas que ainda continuavam sem luz, a aparição de “duas meninas com beleza de invejar” e a desvelação erótica do protagonista.

 Este é outro mundo, outro ponto ancorado numa visão diferente (e posterior) do ‘processo histórico’. É o mundo do desejo rompendo naturalmente os obstáculos, ou corrompendo-os, roendo-os, mostrando a sua fragilidade, a contradição que mantêm com o corpo e as energias básicas da vida. Um corpo sem cânones respondendo aos cânones sem corpo manipulados pelas igrejas. Ao longo destas estórias isso vai sendo superado, ao mesmo tempo em que se revelam as taras que assaltam aqueles que se deixaram amarrar pelo falso conservantismo, pela religião de fachada e regra.

 O avanço da personagem contra toda a peia de obstáculos à livre manifestação de amor e desejo, que o levará inevitavelmente a uma simbólica morte (não há amor sem morte), esse avanço está, como todo o livro, inserido numa teia de frases, linguagens e retóricas na qual a sua colocação é sempre sintomática.

 As citações, para além das já nomeadas, incidem principalmente em poetas revelados em livro sobretudo a partir do fim dos anos 80. Entre eles se destacam Conceição Cristóvão (o mais requerido), Amélia Dalomba, “John Bella” e o próprio Nguimba. Outras citações – como a de uma canção brasileira na voz de Fáfá de Belém.

 A esfera de referências literárias, é fácil de ver, já difere em muito dos autores revelados ao longo da década de 80 do século passado. A sua temática difere também, quase desaparecendo o motivo da guerra – ao contrário do que sucede, por exemplo, nos contos de João Tala. Os tipos de personagens são bem actuais, do quotidiano de uma cidade angolana de hoje, como sucede em grande parte com outro escritor recente, Gociante Patissa.

 A par de todos estes ‘sintomas’ de uma mudança de paradigma numa nova geração e produção literária em Angola, o da linguagem usada é dos mais importantes.

 

                                                     3.              Linguagem

A linguagem poética dos autores novos (então), revelados ao longo dos anos 80, era muito marcada, na maioria dos casos, por um trabalho artístico intenso sobre a linguagem. Daí resultava um discurso literário mais denso, principalmente na poesia lírica. O discurso necessário para superar, naquele instante, a redundância da poesia militante, já desfasada em relação a tudo o que se fazia no mundo. Saíram, desse propósito de intensificação estética, poetas de gabarito universal – o que prova, a posteriori, que foi a reacção certa no momento certo.

 A narrativa continuava a recorrer a uma linguagem menos densa, mas ainda assim animada por jogos de palavras, metáforas, soluções frásicas e imagens colhidas no falar quotidiano de Luanda. As excepções vinham, principalmente, dos que viviam fora do país. Em particular do então jovem Sousa Jamba. Sousa Jamba foi, naquele momento, a própria excepção: saído das zonas sob controlo da UNITA, educado na Zâmbia, jornalista em Londres, publicou o seu grande livro até hoje – Patriots – em inglês e só mais tarde a obra foi traduzida para a língua comum. Diferença total com os restantes jovens escritores angolanos da época.

 A excepção Sousa Jamba constituiu uma surpresa e levou a que, durante muito tempo, fosse ignorado (oficialmente) em Angola. Mas o seu romance continha características, em particular ao nível da linguagem, que se revelaram precursoras. Não era só um romance de paz e para a paz em plena guerra. Não era só o modelo narrativo diferente (mais próximo do jornalismo de reportagem e das autobiografias de jovens escritores africanos anglófonos). Era também a linguagem literária de Patriotas, que se caracterizava pela nitidez, pela limpidez, pela simplicidade e pela acutilância.

 São estas características que reencontramos hoje, não só, mas nomeadamente na lírica e nos contos de Gociante Patissa, bem como nestes contos de Ras Nguimba Ngola.

 A par dessa característica, indissociável dela, surge outra: a de um domínio seguro do português. A linguagem poética dominante desde o Luuanda de Luandino mostrava um domínio superior, também, da língua portuguesa – o domínio necessário para poder permeá-la com o português de musseque, ligando as duas pontas através de semelhanças estruturais, ou através de simples imitação de termos e frases populares.

 Nos livros iniciais dos escritores de que falo agora encontramos o contrário: como em Sousa Jamba, há só o domínio do português, reflectindo-se num discurso translúcido, aparentemente sem espessura, fílmico. Uma ou outra analogia de vasto alcance pontua de longe em longe a paisagem verbal (já quase no fim: “fugi do local à velocidade de um tiro” – p. 81). Raras, elas mostram o comedimento da nova linguagem – que alguns autores mais antigos praticaram (lembro-me de Augusto Bastos, de Assis Júnior, de algumas curtas estórias de Domingos Van-Dúnem, de outras publicadas no Boletim da LNA nos anos 30 e princípios de 40, dos contos de Dario de Melo, mas há mais, que não me ocorrem agora). Face ao espalhafato que exibem os epígonos dos anos 80, não deixa de ser saudável este retorno à simplicidade. Como um retorno aos caminhos do campo… mas, nem por isso, ao espalhafato folclórico da imitação desenfreada de termos populares, uma imitação macaqueada do trabalho de escritores do quilate de Luandino Vieira ou Boaventura Cardoso. Aqui os termos próprios da fala de Luanda, sobretudo de nível popular, aparecem naturalmente integrados na prosa como, no dia-a-dia, costuma acontecer. Ou seja: não resultam de um esforço de inserção, simplesmente fazem parte da linguagem quotidiana de quem escreve e, por isso, entram ali. Já em Carmo Neto, aliás – um contista bem mais dedicado às metáforas – podíamos ver o mesmo.  

 A beleza, naturalmente, encontra-se em qualquer das duas linguagens, com fogos-de-artifício ou sem eles. A beleza não deriva directamente do uso de uma espécie particular de linguagem, mas da combinação própria de todos os elementos passíveis de recurso artístico numa mesma obra, num mesmo conjunto. Portanto, deixemos a beleza lá onde ela está e vejamos uma parte dela: os desafios que um livro de contos nos pode lançar. Aliás é de notar que, a par deste retorno à limpidez da linguagem, a poesia angolana continua a aprofundar o seu espírito de vanguarda, por exemplo nas experiências poéticas vanguardistas de Abreu Paxe. E isso resulta tão belo como o contrário, o que devia fazer pensar aqueles que confundem traços estilísticos e retóricos de uma época e construção do efeito de beleza.


 

4.              Personagem e estrutura da estória

A personagem de E lá fora os cães… é também sugestiva. Desde logo para o nosso historial poético-literário. Ela tem qualquer coisa de João Vêncio: o corpo, o desejo, soltos realizando-se em outros corpos alheados das convenções. Mas é uma personagem própria dos tempos actuais em Angola. Envolve-se com pessoas ligadas a seitas, está muito convencido da sua virilidade, ouve músicas e lê poemas de hoje, dá-se com pessoas que podemos encontrar nas ruas a qualquer momento.

 Não é, também – como não foi João Vêncio – uma personagem plana ou resumida a um tipo. Há densidade psicológica na sua constituição, abriga as contradições que qualquer um de nós abriga, hesita, foge, duvida, vai, deixa-se levar, finta.

 Não é também uma personagem pintada com traços breve – como não foi João Vêncio. A linguagem de João Vêncio definia-o, juntamente com as suas acções e memórias. Neste caso, estamos perante uma caracterização principalmente indirecta, de quando em quando uma auto-caracterização, deduzindo-se pelos seus actos e pelas suas decisões o tipo de carácter que define o protagonista.

 O desenrolar das peripécias forma a intriga, a estrutura da estória. Pena que princípio e fim de cada episódio nem sempre fiquem bem definidos graficamente.

É no final do último episódio que se faz a profecia do final do livro: o encontro com uma antiga amante cujo namorado, sabendo-se traído, ameaça o protagonista.

 Bruscamente, a página seguinte abre com alguém deitado (um editor? Um assessor editorial?) deitado numa clínica reflectindo sobre se deve publicar o manuscrito do jovem assassinado, encontrado “morto na sua cama”. O autor aproveita o quadro para colocar na voz do pretenso editor, a pensar em primeira pessoa, o julgamento estético da obra:

 Eu sou criticado pelo rigor, mas não vale a pena fazer lixeiratura […/…] do ponto de vista estético não deixa a desejar, a leitura comoveu-me e nada mais de arrumações, eis o livro que deverá falar por si, um livro de memórias eróticas.
 
Francisco Soares

 

11 julho 2012

FOI PRECISAMENTE A 3 ANOS (11 DE JULHO DE 2009). NOSSO PRIMEIRO REBENTO




Mátria do Nguimba Ngola


Nas andanças pelas lides poéticas e literárias em Luanda cruzei-me com o Nguimba Ngola...e desde então a amizade foi crescendo na partilha de textos, opiniões e idas à noite de Poesia no Baía...nas conversas que o tempo nos vai deixando ter o Nguimba mostrou-me acima de tudo ter uma imensa fé em Deus. Fé essa que discutimos à medida que falávamos do livro Tchehunda Tcha Nzambi que pretendo publicar...é essa fé que lhe preenche os poros do corpo e lhe fazem transbordar inspiração divina que ele usa para escrever...e é nesse diálogo divino que ele originalmente cria Mátria...uma palavra poderosa que nos toca com a profundidade de uma mãe ou desta Angola.



Ao folhear Mátria apercebo-me que esta é dedicada às mulheres...mulheres, criança-mulher que vivem por amor, em desamor, lá em cima onde o dinheiro abunda, cá em baixo no pisotear da lama...Mátria é para quem tem estômago para todas as dimensões da realidade amorosa e do próprio quotidiano da Kianda. Mátria é pois ser mulher angolana na Angola Mãe.



Confesso que ao ler alguns poemas o meu estômago cedeu à pressão do nojo e da pobreza demente que Nguimba tão bem exprime em poemas como Ruas Miseráveis do Musseque, Tímpanos Feridos, Malefício do Vício ou Kumbu Sujo.



Nguimba transcreve em versos soltos um universo de mulheres comuns que percorrem as ruas da vida desta Angola Mãe. São elas mães, meninas, prostitutas, amantes, apaixonadas e errantes, angelicais e leoas, feras que se fazem valer num mundo de homens.



Em Mátria Nguimba foge ao imaginário poético e relata o sentimento real com a poesia de quem atentamente observa e vive o mundo dessas mulheres. Transcende a barreira do julgamento social para dar vida ao mundo da mulher angolana...



Lamento de Mãe

O que direi

O que farei

Se vendeste a obediência

Nas ruas do prazer imediato

...

se não te guardei no aconchego

da placenta e hoje me pintas no

quadro da demência com cores

...



E é sobre o sol escaldante e arrasador da nossa Kianda que Nguimba denuncia "Nas Labaredas da Incompreensão":

"Muloji a Kime

kine mo túbia"

Esvoaça a fumaça

denunciando o crime no coração do Cazenga"



Nas labaredas da incompreensão jingam as mulheres que num mundo masculino adcoicam o ar com a sua fragilidade e beleza majestal. São elas que retribuem o mal com o amor e que a todo o custo percorrem mundos ao mundo para transformar crianças em homens. São pois elas o universo angelical que Nguimba tão bem denomina de Mátria.



"E na dor da violência caseira
ergueste-te qual Leoa ferida

no entanto

no teu doce coração nasce o perdão

e jogas ao longe o abuo poderoso

...

OH Soberano Universal

abençoa esta doce alma que jaz na cama

do teu jardim pois ela será eternamente

meu doce jasmim"



A delicadeza perfurmada do jasmim contraporá sempre a violência perpetrada...mesmo nesta nossa Mátria tão perdida nas poeiras da Rua, a Vitória será Certa!





Bem Haja Nguimba Ngola

Saudações Literárias da Lueji Dharma

15 abril 2012

PAZ, LITERATURA & CULTURA


Nasci no interior do pais. Vivi a experiêcia dos horrores da guerra. Anelava o momento de um dia poder andar livremente nesta Angola imensa. É já realidade.

Todo o ser consciente desejará a paz em vez de a guerra pois ela, a guerra e, todas suas motivações devastam o tecido social e cultural de qualquer nação.

Mas o que é na verdade paz? Como a literatura pode promover a cultura da paz? Que ganhos para a cultura, arte e educação? São questões para levar-nos a reflexão e, o exercício desta abordagem será mera opinião.

Dentre várias acepções da palavra paz, este vasto conceito, quero reter a seguinte: ela é a liberdade sem guerras, é segurança pública, harmonia, concórdia, serenidade, reconciliação. Já cultura é uma das dimensões mais amplas e complexa para o entendimento. o Homem se humaniza produzindo seu mundo, gera sua marca cultural ou as diferentes manifestações culturais. O homem e´ intrinsecamente “homo cultaralis”. Podemos arriscar a ideia de cultura, por referir-se à literatura, cinema, arte, dança, música, entre outras, porém seu sentido é bem mais abrangente. Podemos olha-la ainda como o desenvolvimento, melhoria e refinamento da mente, emoções, interesses, maneiras e gostos, idéias, costumes e habilidades de um dado povo em um dado período.

Sendo assim, devemos buscar uma cultura de paz que se fundamenta na criação, mediação e transferência de valores, idéias, informação, e costumes. Uma cultura de paz encaramo-la como força tanto produtiva quanto reprodutiva que transmite padrões culturais do presente e do passado e uma influência educacional e criativa importante por meio de seu poder de inculcar novos valores, normas, atitudes, comportamentos e é ai que a literatura joga seu fundamental papel de promotora da cultura de paz.

Com a constituição da UEA em 1975, os escritores angolanos foram convocados a permanecerem na vanguarda, face às grandes tarefas de libertação e reconstrução nacional. Foi assim com os predecessores dos novos escritores na altura que, na sua época, exprimiram os anseios das camadas sociais mais vulneráveis, que mais sofreram a exploração do então regime colonial.

Hoje os escritores angolanos têem direccionado suas obras para a tomada de consciência da paz. Ricardo Riso, ao criticar a obra de Roderick Nehone escritor que se revelou nos anos 90 considera que a literatura angolana passou da “euforia comunista dos primeiros anos do país à grave crise que se espalhou nas décadas de 1980/90, motivada pela guerra civil”, realçando que “o fim do sangrento conflito no início deste século e a entrada desenfreada do capital estrangeiro, consequência da estabilidade política, Angola, mais precisamente Luanda, com suas peculiaridades e contradições, sempre foi um terreno fértil para os escritores”.

Todos nós somos hoje chamados a promover a cultura de paz, escritores, poetas, músicos, intelectuais, ativistas cívicos e o povo em geral. O Estado é o maior responsável na viabilização da cultura de paz. O executivo angolano deverá empenhar-se cada vez mais na criação de escolas pois, um pais com a educação em dia ganha maior consciência de paz. No âmbito da formação artística e cultural, dever-se-ão garantir maiores apoios e a criação de infra-estruturas apropriadas para a promoção da cultura como, bibliotecas comunitarias, salas de teatro e apetrechamento de museus bem como a preservação dos lugares e sítios.

É deveras a paz que o povo chama. É graças a paz que tenho a liberdade de me expressar diante dessa “malta” vibrante que dinamiza a cultura.

Viva a paz e a cultura.

Mulemba waxa Ngola, 07 de Abril de 2012.

29 janeiro 2012

A poesia sorridente de Kiocamba Cassua

Eis o Kiocamba nosso kamba das lides poéticas nas noites levarteanas comunicando com sorrisos nos lábios o seu ser. Adilson do Kassequel, ou melhor Kiocamba Cassua, neto da avó Marcela Kiocamba convoca-nos hoje para sorrirmos juntos, para homenagearmos o seu primeiro rebento poético, afinal é só sorrirmos para nascer poesia.
O poeta foi ao “balaio das palavras e da mistura foi retirando uma a uma com cuidado, escolhendo as mais belas, as mais simples, aquelas que são fáceis de ser percebidas” e trazer-nos ao banquete poesia sorridente, seguindo o conselho da professora Gabriela Antunes que em memória ainda nos fala.
“Outros Sorrisos nos Nossos Lábios” está arrumado em 3 narrações. Sim isto mesmo narrativas, pois o poeta oferece-nos 50 textos poéticos como um conjunto de relatos temáticos em que personagens, espaço e tempo são a caracterização do social, onde encontramos angústias contemporâneas e anseios comuns. Na I narrativa, encontraremos vários sorrisos mas que, segundo Dalai Lama, conforme citado pelo autor “se quisermos mais sorrisos na vida, devemos criar condições para que eles apareçam”. Na II narração “os sorrisos são simplesmente cânticos de tristeza e os choros as originais melodias de óbito”. Na III e última narração “sorriram os sofrimentos/como se fossem alegrias. Só há silêncio e solidão à volta do poeta. É tudo? Não caros leitores, a obra em leitura afigura-se-nos vasta em temática pelo que acertadamente Penelas Santana descobre “que o autor almeja cantar e encantar com sorrisos diversos... desde a melancólica à doce, desde a vida à morte, desde a guerra à paz, desde o passado ao presente e até ao futuro... esperança viva!”
Relativamente a forma, os versos de Kiocamba são livres pois o modernismo poético permite esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta o que não deve afugentar o apreciador de sonetos, dos tercectos e quadras e ou o amigo que só vê poesia com rimas. Kiocamba diz “... cá estou escrevendo poesia sem regra/ pensando em ti”. Mas veremos certamente alguns elementos desta natureza mais adiante. Antes de mergulhar nos “sorrisos mundiais” e coloridos de Kiocamba, permitam-me convidar algumas mentes que se dedicam a reflexão e subsidiaram pensamentos sobre o sorriso.
Bergson o filosófo, escreveu: “O riso é algo que irrompe num estrondo e vai retumbando como o trovão na montanha, num eco que, no entanto, não chega ao infinito”. O sorriso, pelo contrário é silencioso como chuva mansa que cai e fertiliza a terra ou como brisa suave que acaricia e refresca o rosto. Enquanto o riso é extroversão, o sorriso desvenda delicadamente o interior de quem sorri.
O poder do sorriso é grande, e saber sorrir é algo de muito importante. Antoine de Saint-Exupéry diz: “No momento em que sorrimos para alguém, descobrimo-lo como pessoa, e a resposta do seu sorriso quer dizer que nós também somos pessoa para ele”.
Podemos acrescentar que o sorriso é um dos sinais de comunicação com um sentido universal: ele expressa alegria, felicidade, afeição, gentileza. O sorriso traduz, geralmente, um estado de alma; é um convite a entrar na intimidade de alguém, a participar do que lhe vai no íntimo. O homem, dotado de inteligência e vontade, pode sorrir quando tudo corre bem ou sorrir mesmo quando as coisas correm mal, dai que lemos na Bíblia, “mesmo no riso o coração sente dor”.
Kiocamba, como quase todo o poeta angolano tem grande estima por Agostinho Neto e na sua poesia podemos notar alguma intertextualidade com o “poeta maior”. Não é por nada que mesmo antes das dedicatórias encontramos Neto. Ocorre-me agora o poema em Sagrada Esperança “Não me peças sorrisos... nem sorrisos nem glórias” apenas “num novo catálogo” “terei para ti/ os sorrisos que me pedes”. Porquê? Porque os sorrisos são ainda “escuros” diz o sujeito poético de Kiocamba e, estão no além. “Os sorrisos encostados nos tambores... os sorrisos plantados em terras que germinam ferros/ sorrisos ingratos... sorrisos das crianças chamadas culpadas/erguendo taças de feiticeiras inocentes/ aí buscarei os sorrisos inocentes”.pg 20,21
Chocamo-nos recentemente com este fenómeno aqui na nossa Mátria angolana, crianças acusadas de feitiçaria o que levantou diversas reacções da sociedade. As acusações de feitiçaria têm sido descritas, tanto por mais velhos e líderes das igrejas bem como pelo governo e ONGs, como resultado da desestruturação familiar ocasionada pela guerra e pela crise econômica e social. A grande maioria das crianças acusadas são órfãs de um dos pais ou ambos, ou filhos de pais separados, sendo acolhidas por parentes como tios ou avós, ou vivem com padrastos ou madrastas que muito frequentemente são os responsáveis pelas acusações. Elas carregam “sorriso incerto”, o poeta que dá voz aos sem voz escreve: “Sou criança anestesiada/nunca sorri sorrisos/sorri apenas ventos espalhados à tempestade...”
Os parentes das crianças não conseguem sorrir para elas, antes maltratam-nos. Só o poeta buscará “todos os sorrisos/ para unificar com os cânticos da... alma” e “amanhã... dar-te-ei um amanhã branco e risonho” diz o poeta e devemos imita-lo.
As “Zuzu” cansadas mulheres vendendo ao sol no espaço luandense, são as outras personagens que merecem nossos sorrisos de modo a ganharem alento para a vida. Quem sou eu? perguntarão elas e, o poeta dirá que “sou o nada vestido de nada” Leia-se o poema na pg 34.
“Perguntem às letras/ qual é o sentido da história/num olhar sereno/ uma decisão bruta na interrogação/ do orvalho matinal”. pg 25
A resposta virá do poeta que escreverá “um poema grosso” “um poema/tímido ou talvez sem expressão física/ onde os gemidos e os lamentos/ os cantares e as melancolias/ as incertezas e os passos brancos/farão parte das letras...” pg 29.
Prossigamos, pois ainda há “outros sorrisos nos nossos lábios” que o poeta pretende partilhar, ou melhor, narrar.
Somos agora convidados a saudar África que se despede dos sofrimentos passados:
“... Adeus África ontem/ então em altos brados gritemos/ saudemos África com cantos alegres/ ... saudemos África com sorrisos alegres/... sorri África conglomerada/ restitui a graça/ a mãe negra que canta/ África, África florida que encanta pg 46-49.
Este é o anseio do poeta que almeja a paz e justiça pois na realidade o poeta constata “em ti... terras vejo crianças sem rosto/comendo sorrisos de um soldado qualquer” nas “terras áridas do mal” Nesta hora o poeta convida-nos a “dançar rítmos selvagens/ ao som do batuque africano/ com mulalas à volta da cintura/... vem sorrir/ sorrisos expirados”. Devemos aceitar o convite para partilhar com o poeta que já cansado de ver tanta dor e angústia e não quer mais “cantar melodias estranhas/ para alegrar os estômagos dos famintos”. Estamos acompanhando as notícias, na Nigéria, na Somália etc. Só o “Grandioso” para ajudar e a Ele juntamente com o poeta buscaremos Alegrias, explicação, certeza e perfume para perfumar nossos dias sofridos, nossos dias de ilusões sufocadas. Pg 54, 55, 57
O poeta ama as mulheres e nelas vive pensando, até na “... mulher violada/ nos becos escuros... mulher que se prostitui/ para afugentar a miséria/... mulher que anuncia Cristo Salvador/... mulher que educa/ o analfabeto na sanzala/ penso em ti, com sorrisos nos lábios... penso em ti/ mulher de ancas malandras/ que seduz até o cego” (ver pg 66). Elas, são fonte de inspiração do poeta e Março o mês a elas dedicado e, neste mês “sorrisos largos no rosto da mulher/seus olhos são capazes de chorar/ a alegria verdejante do horizonte branco” pois “assim já é Março e as “zuzus” podem desfilar na calçada, pg75.
O poeta liricamente canta para a princesa cujo “cheiro do teu corpo embrulha o perfume/ das rosas e a chuva utópica que cai sobre os teus cabelos”. A música romântica e carinhosa dedica-se ainda a mulheres cujos nomes são-nos revelados como, Amélia da Lomba, Evandra dos Santos, a Ema Bica mulher dos olhos negros a quem o poeta “queria oferecer uma caixinha de sorrisos/ azuis brancos outros sem cores/ ouvir a sinfonia brotada dos ... lábios lisos” A elas o poeta pede carinhoso “declama um poema para mim meu amor” e Amélia acede ao pedido com o “som da sua voz meiga” “sobre o Sacrosssanto dos Refúgios e em Espigas do Sahel”. As mulheres, lindas elas, fisgam-nos mesmo no “primeiro olhar” “beleza esculpida/ moldagem esculpida do alto/ um só olhar/ um só gesto/ uma só palavra/ e no fundo do pensamento surge a interrrogação/ (?) do céu ou do ventre”. pg 88
...
Como dissemos inicialmente, encontramos elementos estéticos e efeitos estilísticos na poesia do Kiocamba que serve-se da palavra como o material para construir um objecto artístico. De tal modo ele desvia-se da norma padrão nos diversos níveis, isto é, no semântico, no fónico e no sintâctico. Isto garante musicalidade aos poemas, são efeitos extraídos da relação extrutural das palavras. Efeitos de semelhança, efeitos de insistência ou atenuação que tendem para o aumento de intensidade da expressão ou atenuando-a, encontramos ainda figuras que marcam uma sugestão de oposição resultando em efeitos de dissociação. Eis alguns exemplos:
Amanhã escreverei um poema
que possibilite viver
que facilite sofrer ou talvez sucumbir
ou talvez um poema triste
que me permita sorrir... pg 28
Notamos o paradoxo, poema triste que permita sorrir. Encontramos a assonância e a anáfora: “ ... do mais ideal/ do mais belo/ do mais rídiculo/ do mais certo” pg 26, “... na vitalidade dos jovens/ na ambição severa dos tigres/ na esperança vermelha/ na riqueza dos abutres” pg 53, “...um só olhar/ um só gesto/ uma só palavra” pg88. A aliteração “...suturam o pensamento ensaiado...” pg 75.
Apóstrofe ou Invocação “oh!/ intransigente violino” pg 38, “... Oh meu Senhor” pg 54. Paralelismo ou simetria:
“mulher que se prostitui
para afugentar a miséria
mulher que trabalha o sexo
para movimentar a boca” pg 66.

Personificação “...panelas gritam no além do mar” pg87. O poema da página 60 exemplo de interrogação e ainda a metáfora de simples descodificação “Será que o ponto mais alto da beleza feminina/ é a fonte escondida dos países baixos/ revestidos de relvas pretas...” As rimas, apesar de em número reduzido, estão lá na pg 40 lemos “...vai caminhando com os sentimentais/ teus amigos ideiais...”, na pg 43 “...não há carnaval sem cores/ (?) que sorrisos largos são esses/ no rosto da mulher com dores?” Na pg 43, “... o vermelho que se esqueça/ o vermelho que padeça” Na pg 76 e sintam o rítmo “... Pensamentos celestiais conclamam amargura/ que mergulha no desastre da queimadura...”
Eis a poesia sorridente de Kiocamba e concluímos dizendo que sorrir é o atestado de excelência que a alma concede ao momento, aos encontros que a vida nos proporciona e à própria vida. Venham dái outros sorrisos poéticos meu kamba.
Boa leitura (a vossa) estimados.

Nguimba Ngola
Na Mulemba waxa Ngola aos 16 de Janeiro de 2012, 02h31am

Referências:
1. - Crianças feiticeiras: reconfigurando família, igrejas e estado no pós-guerra angolano, por Luena Nunes Pereira. Alojado em http://www.scielo.br/scielo.php, consultado dia 15 de Janeiro as 23h40.
2. Outros Sorrisos nos Nossos Lábios – Kiocamba Cassua, Lev´Arte, Novembro 2011
3. Sagrada Esperança – Agostinho Neto, UEA 10 ed.
4. No amanhcer da Curva – Kudijimbe , UEA, 2003
5. http://educacao.aaldeia.net/importancia-sorriso/, Consultao aos 15 de Janeiro de 2012, 22 horas
6. http://www.cerebromente.org.br/n15/mente/sorriso1a.html, Consultado aos 15 de Janeiro de 2012, 23h30.

23 setembro 2011

Pedaços de versos



Pedaços de versos soberbos

verbos dilatados e depilados

nos lados mais escuros e sombrios

da vegetação política na clínica

funcional do signo e nas manifestações

das nações geradoras de fome

e o nome esfuma-se na avenida

das aparências mas a carência

na cadência escura da miséria

é matéria de pouca prosa para

quem não prova as pedras amargas

dos dias amargos das horas apagadas

dos minutos magoados no Sistema de Coisas

Ousa pegar os pedaços de versos se as mãos

não aquecerão o dia e o esquema!

É tema de calores nas palavras controversas

diversas colheitas nas reações ditatoriais

e a “lei do estômago” nos caminhos sensorais

produz maquiavélicas imagens na correria do Sol

para atenuar a pobreza ancestral É magistral o plano

da perpetuação do verbo depilado

Libertem os os lábios ó “cagas na lata” para o Sol brilhar

e alegria nos versos soberbos em pedaços...



Mulemba waxa Ngola, 23-09-2011. 01h46´



junto todos os gritos que riscam o silêncio

também junto o canto do galo no momento

pinto a tela escura da noite com 1 vácuo imenso

e perscruto as palavras que não comento

para iluminar os bairros de barro onde

os carros contornam os sofrimentos e os

ferimentos colados no mesmo saco

onde junto os gritos que riscam o silêncio

o canto do galo no momento e a salada

é servida para a alegria do barro

o barro que volta ao barro princípio de tudo

e o fim de TODOS menos o verbo empedrado

na caixa infinita do espírito líricosatírico

princípio de LUZ

é a minha CRUZ

02h11´


Doi-me a cabeça

arranco-a de mim

e a coloco numa cabaça

e adiciono nela uma jarra

de palavras húmidas

retirando paciente Mente

as palavras estúpidas e

qualquer sombra que arromba

as portas nas ruas do pensamento

em tormento

que alívio!

retiro meticulosa Mente a cabeça

da cabaça e numa taça dourada

coloco as palavras exorcisadas

e na tigela de ouro junto os caminhos

eternos

devolvendo a cabeça em mim

com o cabaço no lugar com toda a honra

e dignidade



02h26´

09 julho 2011

na correria do Sol




Mergulho na escuridão da vida
Oiço o sussurro infantil
Oiço o choro da palmeira
“dar à criança tudo o que ela merece”
“dar à palmeira tudo, ela é uma criança”
É lema é tema e o esquema movimenta
As mãos calejadas na correria do Sol
“fumar um pica e deixar a vida me levar”
É canção de consolo nos cansados neurónios
E aos demónios espanta a caça
Oh pai do céu
Não aceito a invenção da pobreza ancestral
- filho meu
Antes de ser deus a pobreza andava com a ganância
Luta unta os pés e corre
Chuta adiante os sonhos o céu é um mistério
e a palmeira é a tua parte
e a criança é a coroa do sonho

19 junho 2011

E lá fora os cães (um cheirinho do livro...)



Nosso itinerário levara-nos a discoteca 2V , local famoso da Cidade no bairro Olhamar. Dançamos duas musicas sensuais. Ela balançava a mbunda ao ritmo da música e eu mantinha-me de pé com movimentos mínimos minhas mãos na cintura dela e a puxava ritmado para mim. Cada vez que roçava em mim, meu mastro dava pulos alegres dentro da jeans.

- Amor vamos embora, já não suporto ver como as mijonas aqui te comem com os olhos.




- Não ligues nenhuma para elas. Não chegam aos teus pés.




Falei mas olhando para a menina de calções curtos que me seduzia com olhares maliciosos. Vi a tatuagem dela na cintura, parecia ser a imagem de um penis que prolongava para além do calção. A curiosidade tomou conta de mim, queria ver o desenho todo para ver onde terminara o prepúcio mas a Chutada estava irritada e, arrastou-me para fora com palavras ofensivas.
De continua diversão, era o cenário do lado de fora da discoteca. Casais aos beijos, jovens perfilados a espera de hamburgueres. As garrafas vazias dançavam sorridentes no asfalto. Alguns policias mais adiante mandavam parar os meninos em fugidias motoboys. Seguimos contra minha vontade pois eu queria continuar la dentro contemplando a menina da tatuagem. O quarto da pensão no bairro burgues esperava por nós.






A Chutada estava com vontade, as birras estavam a subir-lhe à cabeça e estava ardendo entre as pernas, estava certa a dra Maria Manuela que dizia que a ingestão crônica de grandes quantidades de álcool por períodos prolongados de tempo, agride directamente as glândulas sexuais, provocando sua atrofia. O álcool pode aumentar o desejo, mas prejudica o desempenho e a mim não apetecia nada e sentia-me irritado quando ela me tocasse. Tirei a camisa branca e pendurei-a sobre a porta do roupeiro que gritava de dor, ja era sem tempo nova mobilia naquele quarto que escondia muitas imagens. Imagens de senhores mais velhos com duas meninas adolescentes a lamberem-lhe gostoso os genitais, imagens de mulheres casadas receiosas de serem apanhadas pelos maridos também promíscuos, imagens de sexo violento, aventuras sexuais de só ver em filmes pornográficos. Pensei na Sofia Ana, a minha amada que a procuro nas nuvens, a única mulher que fez pular um dia meu coração. A Chutada toda ela enérgica revira-me e puxa assanhada a calça.




- Mexa-se homem que estou pegando fogo. Ela sussurava.




Ganhei alguma energia e cedi, os afagos e outras fantasias fluiam e já me sentindo em prontidão é quando na verdade estava distante do momento, o mastro desobedeceu e caiu flacido entre as pernas da Chutada que começara com os gemidos – não tira essa merda sacana, me dá para valer – em vão, o coiso morrera. Foi então que vi os dedos dela a jogarem toda a frustração na minha cara.

24 abril 2011

Páscoa & Mágoa



Páscoa mágoa água escassa

assadura nos neurónios

espreitando um Salvador

oh dor de míngua luz no túnel fundo

até quando brilhará

no prato de barro da minha mãe?

Páscoa mágoas crucificadas no bolso da Pátria

sem tempo para os filhos

oh Mátria só os teus seios consolam neste dia

afinal Cristo ressurgiu ou não?

então alegro-me na tristeza

contemplando a riqueza dos escolhidos

ou dos oportunistas?

Haja PAZ e PERDÃO e ALEGRIA para todos...

01 abril 2011

sou mbora puta


Corpos vendidos ao preço do prazer

deambulam pelas ruas da cidade cruel

tentando sobreviver...


“uma rápida é X

um broche é Y”


Moral é palavra para museu


“não queremos saber”


seus valores não importam mais

vício ou necessidade?


HIV não é grossa maka

legal é o que há demais

jamais parar com a zunga do corpo

nem que xico dya ngoji nos arrastem


quem vai deter?

quem vai julgar?

quem vai cuidar?


“cala só a tua boca

pois eu sou mbora puta”




12.01.2006



30 março 2011

Pátriafarraecunga


Bocejo

E o hálito é nefasto misérias de fantasmas ruas lamacentas

Onde pululam mendigas almas expostas ao relento

Rebentos amarelados nas costas zungueiras de uma mulher

Seres sem um longe a vista só suor só dor no calor da vida


Pestanejo

Lágrimas de sangue no calor do dia cunga doentia e a minguar

Lágrimas de injustiçadas caminhadas no tribunal das aparências

Lágrimas doentias lamentando a corrida material e as coisas espirituais?

Povo sem pastor na correria abismal que se quedam em corruptos buracos


Festejo

A utopia anunciada numa escondida independência das mentes da pátria

Nos bolsos de uns a alegria da filosófica equação “safa-se quem puder”

Festejo alegrias conseguidas com incendiárias balas não valeu? Haja PAZ

Festejo o desabrochar de infraestruturas conseguidas com brancas mãos


Almejo

Unidas mãos negras (cheira a raça...) batendo palmas de diversidades diferenças

Culturas várias no tronco comum da irmandade Oh como é bom os cambuijis

Comerem no prato vasto e farto e cada um na videira que desenha sombras

De alegrias, festas, nas sextas de homens mitológicos biblicos? É farra oh pátria aproveita



25 de Março de 2011, 21:49



Fonte da foto: angodebates.blogspot.com/

Ressurgir


Ressurgir da letargia

ressurgir do silêncio

Eis-me aqui

Nguilolokienu

25 novembro 2010

A dimensão social da Literatura Angolana 35 anos depois da independência

A literatura para De Bonald é a expressão da sociedade e, aos olhos românticos, aproxima-se da vida. Mas do que só entretenimento, a literatura ainda tem o objectivo de sensibilizar e guiar a sociedade. Ao longo dos anos depois da independência, a literatura angolana tem sido marcada com vários discursos. Vamos aqui ater-nos aos aspectos sociais que intrinsecamente encontramos na literatura de angolana.

Em Dezembro de 1975, os escritores angolanos reunidos constituem a União dos Escritores Angolanos. Eles são chamados a permanecerem na vanguarda, face às grandes tarefas de libertação e reconstrução nacional. Foi assim com os predecessores dos novos escritores na altura que, na sua época, exprimiram os anseios das camadas sociais mais vulneráveis, que mais sofreram a exploração do então regime colonial.

Os escritores eram como “o sacerdote do povo e, do povo cantavam as angústias, a dor e alegrias”. Não sendo apenas uma necessidade estética, a literatura servia também como um meio de afirmação do Homem Angolano.
Com as suas especificidades culturais e suas tradições, Angola tinha que continuar em busca da independência cultural. Nesses primeiros anos de liberdade, a literatura ainda carregava o legado das gerações passadas.

Agostinho Neto, um ícone da literatura angolana, mais propriamente da poesia, pretendia uma literatura engajada. Por seu lado, o escritor Eugénio Ferreira, em 1979, incentiva os seus companheiros de letras e cultura, sublinhando que o fundamental “é que a obra literária ou artística responda às exigências de luta das massas populares... a matéria-prima de toda literatura e de toda arte deve ser a realidade social”.

Para Sainte-Beuve, as transformações políticas e sociais exercem influência estimulante no conteúdo da arte e na sua função actuante na sociedade. Assim foi que de 1975 a 1985, a carga ideológica do momento vivido em Angola foi muito marcante. Na poesia os nomes de Jofre Rocha com o seu “Assim se Fez Madrugada”, Manuel Rui com “11 Poemas em Novembro”, Ruy Duarte de Carvalho com “A Decisão da Idade”, ainda Jorge Macedo com o livro “Clima do Povo” entre outros poetas, reflectem os contornos da situação do momento.

O escritor Henriques Abranches mostra nessa altura o seu posicionamento com o texto “Reflexões sobre a Cultura Nacional - UEA, edições 70, 1980”. O romancista Pepetela vem com um discurso crítico-social, verdadeiras análises sociológicas, que se pode notar na obra “O Cão e os Calús”, publicada em 1985, onde a figura central é Tico, um poeta, filho de uma quitandeira que vive da especulação facilitada pelas dificuldades de abastecimento de produtos alimentares essenciais.

Nesta escrita inconformista, vale a pena citar ainda o escritor Manuel dos Santos Lima e o seu livro “As Lágrimas e o Vento” e, com certa ironia e um modo divertido Manuel Rui aborda vários aspectos do que caracterizava o quotidiano do momento com o seu livro “Quem me dera ser onda, 1982”.

Dinâmica literária juvenil e novos ventos literários

Em 1981, os jovens escritores que foram referidos por "novíssima geração" surgem na arena com um “discurso de nítido pendor militante”, de acordo com o crítico Pires Laranjeira. A Brigada Jovem de Literatura preencheu os espaços poéticos da década de 80, tendo publicado alguns números da revista Aspiração que deu alento a um novo período da literatura angolana - o da Renovação – movimento que tentava responder às expectativas dos responsáveis oficiais que, face à incapacidade de resposta no que diz respeito à literatura, em sede universitária, procuravam motivar e interessar a juventude para a "coisa" literária. Destaca-se também o grupo Literário OHANDANJI, formado em 1984, com Luís kandjimbo, Lopito Feijóo, António Panguila, Cikakata Mbalundu (Aníbal Simões), Domingos Ginginha e Joca Paixão e outros.

De 1985 aos anos 90, a literatura angolana preenche-se com a temática da desilusão e da angústia diante da situação de Angola que enfrentava problemas sociais gravíssimos.

Os anos 90 trazem novos ventos políticos, manifestações jubilosas anunciavam o fim da guerra em 1991. É o inaugurar de uma era nova para o país.

O dilema se o escritor deve tomar posição em frente aos problemas contemporâneos ou atender ao seu mundo interior, continua. Os escritores angolanos continuam a revelar aos seus leitores, o amor, as emoções e os actos de altruísmos perante o sofrimento dos outros e o apelo à mudança de consciência perante os comportamentos negativos.

Na óptica de Pires Laranjeira, um estudioso da literatura de Angola, esta “é uma literatura como a de qualquer outro país, com escritores de variados géneros e estilos; com temáticas universais como a morte, a luta pela sobrevivência, a critica do poder político, a critica social, etc. …”

Finalmente, o brasileiro Ricardo Riso, ao criticar a obra de Roderick Nehone escritor que se revelou nos anos 90 considera que a literatura angolana passou da “euforia comunista dos primeiros anos do país à grave crise que se espalhou nas décadas de 1980/90, motivada pela guerra civil”, realçando que “o fim do sangrento conflito no início deste século e a entrada desenfreada do capital estrangeiro, consequência da estabilidade política, Angola, mais precisamente Luanda, com suas peculiaridades e contradições, sempre foi um terreno fértil para os escritores”.

Presentemente, não é exagero afirmar que a literatura angolana ganhou maturidade e consistência e um contínuo espelhar da sua dimensão social.
Nota das fotos: Capa do livro de Pepetela, foto da net; Luís Kandjimbo, foto de Ricardo Riso e Nguimba Ngola, foto do Movimento Lev´Arte.

23 novembro 2010

Consulado do Vazio - Poesia de Gociante Patissa


Não se fez manhã ainda

Sou mais um
um mais apenas
entre milhares de anónimas penas

Pinto nestas linhas de poema desarmado
um marco de respeito pelas ideias
que morreram no peito
sem terem subido à boca
ou descido às mãos
ou beijado montras

Àqueles cuja imaginação e sonhos
se tornaram predilectos rivais
empresto uma certeza
com o calibre das outras e algo mais
não se fez manhã ainda
e não há obstáculo cricial
quando vai o coração aos pedais


Contemplação

Contemplei a equação da calema
um tanto brava
e ao mesmo tempo de toques ternos
afaguei as águas que no vai-e-vem
talvez química biologia - não sei
conservam o eterno frio sob azul

Li em cada movimento um verso
descontraído ajoelhado
como se a rezar o terço
mas a vida não é como mar
tem escala relógio e bumbar
o dever não quis esperar
e tive de zarpar


in Consulado do Vazio - KAT, Benguela 2008.

Gociante Patissa - Natural de Benguela é fundador da Associação Juvenil para a Solidariedade (AJS), estudante de Linguística no ISCED de Benguela.

Escreveu também:

A última Ouvinte, UEA 2010. Contos

O blog do poeta:
http://angodebates.blogspot.com/

A decomposição da humanidade e a sobrevivência de Simba Ukolo





O sol, como bola de fogo a esconder-se entre as árvores da Avenida de Portugal, despedia-se depois de ter cumprido com mais uma missão. Meus pés corriam lesto ao Instituto Camões. “O Quase Fim do Mundo”, novo romance de Pepetela, foi o motivo de cerca de três centenas de pessoas lotarem o auditório atribuído o seu nome, em homenagem ao Prémio Camões de 1997 ganho pelo mesmo escritor.

Foi um lançamento despido dos discursos de apresentação a que nos habituaram na nossa praça. Um diálogo sorridente entre Jacques dos Santos da Editora Chá de Caxinde, Fernando Telles, embaixador de Portugal em Angola, e o “monstro” da narrativa angolana, em perfeita interacção com a magnífica plateia em que desabrochavam distintas figuras da vida social angolana.

Segundo Pepetela, autor da obra, o livro deve apresentar-se por sí, pelo que escusado é apresentação extra. As primeiras páginas do seu romance, com um relato sobre Simba Ukolo, sobrevivente do fim do mundo, aguçaram o nosso desejo de leitura.

Uma longa fila (não de contratados, claro) de leitores, “afadigavam-se” para autografarem seus exemplares. Esgotaram-se os mais de 200 exemplares que a Chá de Caxinde levou ao local do evento, onde muitos leitores se viram frustrados, “lerparam”, por não terem conseguido comprar o livro que estava a ser comercializado por 2.500,00 kwanzas.

No final o brinde com um cockatail e, a correria dos repórteres a caçarem momentos memoráveis, e eu qual aprendiz a escriba sacando a pose com o guru . Felicitações ao escritor e que a caminhada literária seja longa com intuito de proporcionar ao espaço lusófono, anglofóno e todos outros possíveis, agradáveis emoções.




Nota: Texto publicado no Jornal Folha8, 23 de Fevereiro de 2008. Trago-o em retrospectiva.

21 novembro 2010

Os artistas e a independência

35 anos de independência! Estamos deveras livres do "fardo" colonial. Muitas figuras destacaram-se nesse tempo sendo protagonistas políticos. O Semanário Angolense, edição 392, destacou várias personalidades dentre as quais, artistas que não ficaram de parte no processo. Na música os nomes de Urbano de Castro, Artur Nunes, David Zé sempre ficarão na memória e, Viteix nas artes plásticas. Repesco de lá duas figuras que marcam as letras angolanas, artistas da palavra, Manuel Rui e Wanhenga Xitu.



RUI MONTEIRO

MRM é um dos autores angolanos mais traduzidos no estrangeiro. Um feroz cultor das tertúlias intelectuais, causou furor quando, defendendo as posições do Governo, derrotou Sousa Jamba, um intelectual que perfilava a periferia da UNITA, num debate televisivo transmitido depois de Setembro de 1992, em Lisboa e em Luanda, para discutir as causas do conflito pós-eleitoral. Nenhum desses factos, porém, lhe haverá de conferir um lugar incontornável na nossa história recente. MRM será definitivamente recordado pela história por, em Julho de 1976, ter conduzido a acusação contra 13 mercenários britânicos e norte-americanos, aprisionados nos meses precedentes, enquanto participavam em acções de combate no interior de Angola. O julgamento foi o primeiro em todo o Mundo em que o mercenarismo, uma das mais antigas profissões do planeta, foi levado a tribunal, dando lugar à condenação dos seus agentes e a uma drástica mudança de atitude dos Estados face ao fenómeno. A opinião pública simpatizou tanto com o processo, ao ponto de um dos seus mais influentes representantes da época, o falecido jornalista australiano Wilfred Barchet, ter escrito logo a seguir um livro em que considerava os mercenários «prostitutas de guerra». Manuel Rui é colaborador do Semanário Angolense, em que publica as suas crónicas dedicadas às suas «primas».


MENDES DE CARVALHO

Pode gabar-se de ser o único angolano que já chegou a ministro da Saúde sem ser médico. Conseguiu isso como uma espécie de reconhecimento pelo importante papel que desempenhou na luta política contra o colonialismo português, que lhe custou amargos anos de cadeia. Fez parte do «Processo dos 50», um julgamento político que se tornou histórico por marcar uma fase decisiva da mobilização dos angolanos para a luta pela independência. Mas, é também como escritor de primeira água que se tornou notável, já na pele de Wanhenga Xitu. Livros como «Manana», «Mestre Tamoda», «Bola com Feitiço», «O ministro» e «Os discursos de Mestre Tamoda» são as suas principais credenciais neste sector, tendo tido o privilégio de a sua obra ser estudada em universidades estrangeiras. Já octogenário, fez-se notar como homem que buscava equilíbrios entre partes desavindas, sobretudo no seio do seu partido ou como um excelente defensor das gentes humildes deste país, com pronunciamentos incisivos no Parlamento. Ficou também famoso por ter o único que, no grande debate «onomatopaico» havido aí há uns anos, conseguiu provar a Mena Abrantes, sem recurso a grandes oratórias, que até os homens podem relinchar…
Fonte dos textos sobre os escritores: Semanário Angolense, edição 392.

29 outubro 2010

Do Inferno ao Céu


Depois do Parandele de Belize, Alírio da Cruz é o segundo poeta natural de Cabinda que conheci. Ambos solicitaram-me para que comentasse seus textos poéticos. Devo salientar que apresentar uma obra literária é tarefa árdua pois que cada texto pessoal é fruto de condições únicas que respeitam ao seu contexto de produção. Há ainda os constrangimentos recíprocos na hora do pedido mas no final cedemos e arriscamos.

É dizer ainda que não somos especialista em matéria de teoria literária pelo que exercícios do gênero são frutos de autodidatismo e o intrínseco gosto pela arte literária. Assim sendo faremos uma breve apresentação para tentar indicar os propósitos da obra do amigo Alírio da Cruz e que desde já digo é puramente indispensável pois o livro por si deve apresentar-se.

Vamos reter o termo inferno que é usado por diferentes religiões, mitologias e filosofias, representando a morada dos mortos, ou lugar de grande sofrimento e de condenação. A origem do termo é latina: infernum, que significa "as profundezas" ou o "mundo inferior". Na visão espiritista, o inferno é um estado de consciência da pessoa que incorre em ações contrárias às estabelecidas pelas leis morais, as quais estão esculpidas na consciência de cada pessoa.

Quando maculamos nossa consciência passamos a viver em desajuste mais ou menos significativo de acordo com o grau de gravidade das nossas acções infelizes e, consequentemente surgem os desequilíbrios no campo espiritual, emocional, psicológico ou até mesmo orgânico. Eis que esta situação causa tremendos sofrimentos.

Dai, o poeta pensa em soltar gargalhadas ao inferno de modo a destroçar “o inferno da vida/ vida retida em ventos inquietando a retina”. As gargalhadas permitirão às “almas cativas no pranto vivo” a caminhar. (p.21)

Alírio da Cruz apropria-se da metáfora do inferno para cantar a “dor de ser gente” (p.23):


Indecifráveis são os segredos íntimos da alma
Consolada
Na calma da madrugada adormecida
Em quatro estrelas
Sentinelas vadias da alvorada molhada
Num rosto que fala mas não diz nada
Se cala
Sentindo o inferno da gente
Queimando o pouco ar que o faz ser gente”

O poeta com seu olhar microscópico mostra-nos alguns “produtos do inferno” (p.26):

“Enquanto vidas deambulam despercebidas/ Na calçada do dia/ o inferno vende seus produtos...” que são:

“peito exposto ou decotes mal protegidos” o que resulta em “um cálice de desejos/ temperando carne crua na churrasqueira da noite”. O fuzil que planta medo, a arrogãncia alcoolizada, “o rebento de um fecto parido” provavelmente deixado ao relento da vida, são “moedas do inferno”. (p. 39) Nessa interacção infernal, alguns actores sociais são “vendedores do inferno” e o poeta a estes avisa que “Não compramos /dores infinitas/ dissabores/ prantos.../ Não compramos os teus fingidos beijos/ os teus caprichosos desejos libidinosos anseios/ de nos encaminhar no mar de fogo...”

Quem sente hoje essa caminhada infernal? Muitos povos certamente e, aqui fica nas entrelinhas um clamor às autoridades governamentais para que se empenhem em ajudar o povo a sair do inferno da miséria, da pobreza pois Angola já está em paz e o povo, este sofrido povo, ainda tem “confiança alicerçada na tolerância zero e combate a corrupção” (p.59).

O amor é também causa de sofrimentos? Sim para o poeta que exprime maioritariamente nos seus cerca de 9 dezenas de textos um forte lirismo. O poeta chora, “chora amargamente”, tem angústias amorosas, é profundamente apaixonado e por amar demais ele sofre, que inferno!

“Paz não encontro, sofro/ não me concentro e choro.../ a quem dei meu amor/ como um grande refém/ em sua vida me retem/ e morto ou vivo, não me quer...” (p.17) e o pranto continua:

“És verdade, como um sonho para esquecer/ de querer aumentar no fogo a chama do amor/” .

Eis o fogo do inferno do amor não correspondido mas, para consolo “sempre vence o amor” (p.33) dai que o poeta brinda ternas palavras a virgem bela do Maiombe cujos os “pés desenham pureza” (p.81), essa “mulher ibinda/ formosa e linda.../ de panos e missangas.../ encanta a todos...” (p.84).

O poeta já não quer mais inferno, nem para si, nem para sua amada, nem para nenhum ser vivente, ele quer tão-somente:

“colher frutos/ verdes frutos/ colher doces.../ colher cinzas vivas/ esconder folhas mortas/ não quero/ não, inferno não.

Segue daí o desejo de o Céu atingir “no lugar certo eu quero estar...” i.é, na “casa de Deus “ (p.97)

“Arrebata-me senhor/ junto de ti/ nas nuvens onde esperas por mim/ para me envolveres com teu amor sem fim”. É a crença do poeta que é cristão num futuro feliz.

Alírio da Cruz que na outra pele é licenciado em Direito, brinda-nos assim com estas palavras artisticamente desenhadas, que em Cabinda tem comovido corações de muitos ouvintes nas diversas actividades sócio-culturais.

As “sanzalas d´alma” do poeta aspiram continua busca no labor poético. Em muitos dos poemas sentimos a “musicalidade” que é dada pelo ritmo e pelas rimas, essas repetições criativas de alguns sons no final ou no interior dos versos. Mas no presente poemário alguns textos não atingem já um conseguimento estético da poesia na forma e no conteúdo o que denota um incipiente labor da palavra. É também chamar atenção ao uso da Língua Portuguesa, pois encontramos erros ortográficos e gramaticais em alguns textos o que me parece não terem merecido uma cuidada revisão.

Força poeta de Cabinda e continua a brindar-nos com belos versos.



Nguimba Ngola

Talatona, aos 28 de Outubro de 2010.