Segundo João Papelo, "a poesia como manifestação artística e subjectiva, de interpretação personificada e individualista é, num outro ângulo, uma terapia do ego. É uma breve viagem aos recônditos do íntimo. Uma contemplação espontânea do indivíduo relativamente a si próprio. A poesia traduz forte sensação de lazer, e guerra ao mesmo tempo; traduz uma esperança bailarina que não exclui o prazer de dançar com o desespero no mesmo recinto de encenação que é o papel. A poesia traduz os sentidos ausentes no presente; celebra o elo do passado com o futuro. Esta geração de Poetas que agora vem com o seu arsenal de criação, se não é um resultado da prossecução das outras gerações de escritores, como insistem alguns “críticos pessimistas” (invejosos é uma palavra abusiva e demasiadamente pesada), então ela é a geração subjugada aos velhos dotes de criação literária mais rudimentar resultante das suas capacidades cognoscitivas e reprodutivas. Reproduzindo assim um universo de imagens, metáforas, sinestesias e rítmicas resultantes do seu conhecimento mais científico da língua (onde estão os bons entendedores?)."

Transladação
Sob a música mística dos salalés,
Vem passear comigo nos becos do meu coração,
Que seja em nós, amor, o amar, destino e direcção,
Aragem movendo, suavemente, os nossos férreos pés.
Vem libertar, de mim, a mulher que escondo,
O teu par amor, para o transcendente duo,
Vasculha-me nos pensamentos e a carne que possuo,
Translada-te em mim sem o mínimo estrondo.
Que te espero em mim, e, de mim, respondo,
Aos sinais da sina onde sonhando-te actuo,
Para desaguar em ti, porque é em ti que me concluo
Princípio e fim… enfim… fechados neste círculo redondo.
Vem, meu amor, ver dos meus olhos tudo que vês,
Vem sentir, de mim, a fria aflição
Vem sonhar, do meu sonho, a cálida paixão,
Vem, meu amor, ser, no que sou, tudo que és.
Entre a rosa e o pão
O que te ofereço? Rosa ou pão?
Ó Luanda, meu amor, neste dia,
Em que os covardes amam na sua covardia,
Em que o amor testa o meu coração.
Talvez um beijo, ou um tostão,
Com que alimentes os miseráveis no teu leito,
Ou um afago escaldante que acorde no peito
Os rugidos gigantescos da nossa paixão.
Talvez, pelos desvarios, inúmeras palmadas,
Talvez um terno olhar, mas sem assédio,
Que caia na tua alma como um remédio
Das feridas que abafas nas almas fechadas.
Para a AURORA
Covarde, hipócrita me chamo,
Quando o meu coração oculta,
Quando nenhuma pedra escuta:
“AURORA, meu amor, te amo”