07 abril 2010

Uma indescritível crónica sobre a luta pela vida

Ao visitar o espaço do meu amigo Nguvulo Makatuka (http://makatuka.spaces.live.com/blog), pude notar que ele publicou a crónica "Indescritível" que postamos aqui no blog no dia 25 de Março o que me alegrou pois assim os visitantes daquele espaço também puderam ler a citada crónica. em meio a dois comentários que ele recebeu em resultado do texto, fui tocado pelo comentário de uma amiga do Nguvulo e quero partilha-lo aqui com os amigos.

"Alpha Leninha wrote:


Meu caro amigo, confesso-lhe que demorei, a contragosto, para comentar este texto. Contribuíram para isso:
- o fato de eu ter adoecido (estou com um forte resfriado que mina minhas forças e me desvia do que preciso e gosto de fazer);
- assolar-me um certo receio em estar me imiscuindo em assuntos locais;

- a dificuldade de compreensão de muitos dos termos utilizados.

Fenômeno interessante me aconteceu: a cada melhora no meu estado de saúde, meu primeiro pensamento era vir aqui...Depois racionalizei no argumento dois : Sou uma livre pensadora e Angola é um país regido por uma Constituição que me assegura direito de expressão, muito parecidos somos nós – Brasil e Angola! E, em terceiro lugar, sabe, caríssimo?, dei-me conta ao ler este texto de que entendo sim esta linguagem! E sabe porque? Porque ela, para além das palavras, intui-se visualmente!.

Tentando entender o texto, deparei-me com o fato de que este é um problema típico das grandes cidades, dos maus governos, da distância abissal e incômoda dos incluídos e dos excluídos sociais... Angola e particularmente Luanda (perdoe-me e releve se estiver a falar bobagens) tem crescido e se impondo a uma velocidade vertiginosa. Há um fenômeno muito comum nas cidades e países que crescem assim: há um contingente de pessoas que, ao buscar melhores condições de vida, anulam-na e marginalizam-se neste próprio ideal de vida que imaginaram... Nesta inumana condição de vida tais marginalizados sobrevivem com os restos daquilo que endeusam... sobrevivem na crítica, no modo subversivo ou conservador de suas origens... e talvez, nessa verdadeira luta pela sobrevivência – já agora de si, singular - , a palavra de ordem seja viver: qualquer trabalho serve... e às vezes, até mesmo podem-se questionar certos valores morais... Na luta pela sobrevivência, da qual temos nós, notícias de longe, às vezes é necessário, correto negociar a “mbunda”... mesmo que a consciência e o corpo avise que isso não “está certo”, a necessidade se impõe e depois ...ah, depois a consciência e o corpo fazem as pazes, porque os fins justificam os meios...


Algo sobra neste “Ndengue fudido”, aliás, abunda: a consciência de estar sendo “fudido” (desculpe) e uma lucidez de dar inveja a muitos. E em sua impotência e cansaço pede que o vejam como realmente é... e não no que se tornou.Em seu linguajar simples, corrompido existe tanta verdade...tanta solução: ele fala de impacto social, da ausência de infra- estrutura nas obras das cidades, da supervalorização da fachada capitalista que gera lucros ao empresário e miséria ao empregado, ele fala da fome de pão que mate a fome do corpo e da fome de cidadão que espera, confia e vota em um representante dos seus anseios...


Sintomática é a fala: “Vai lá no vosso governo e resolver os problemas do povo e fala mesmo que o Ndengue Fudido está muito triste com as coisas que andam a acontecer nesses país, agora já na 3ª república. Tipo vamos chegar na república 12 e condições de vida melhor nada”. Vejo aqui uma separação entre o cidadão que se sente consciente mas desesperançado: sua voz já não tem mais peso; é preciso lançar mão da voz de outrem ...quiçá se fará ouvir por lá, se não lhe acharem ridículo, manchete bizarra...bêbado célebre por um dia... nos demais dias resta o consolo das “bolhas a borbulharem no seu cérebro”...


Como lhe disse, não entendo bem a questão das desapropriações , essas milhares que aconteceram. Mas sempre procurei entender de algo: gente. E penso, não me esquecendo de que estou a “meter o nariz onde não fui chamada”, que os governantes deveriam sempre colocar o povo em primeiro lugar, que todas as ações públicas deveriam ter por base a prioridade do bem estar social, da dignidade do homem... A fachada externa, a vitrine das obras deveria ser colocada em segundo plano.


E para falar a verdade, penso também que nenhuma riqueza externa sobrevive à pauperidade daqueles que a extraem... O povo, de onde saem os governantes, não é tolo, como imaginam estes assim que chegam ao Poder... Mesmo que existam golpes de estado, que aconteçam períodos negros de abuso de poder, sempre existirão Ndengues fudidos a escancararem o incorreto. E mesmo que não se dêem conta disso, o próprio exemplo de aberração - que incomoda no perfeito que se insinua nas propagandas - serve de mote aos novos pensadores e inquiridores para que se repense o injusto.


Identifiquei na fala do Ndengue fudido uma fala encontrada em todos os cantos do mundo: a dos excluídos, como disse. Revi em meu próprio País a saga de inúmeros sertanejos, nordestinos, enfim, pessoas que, seduzidas pelo brilho da cidade, deixaram suas vidas no campo (onde o descaso dos governantes contribuiu para sua expulsão) para tentar a dignidade de um bem viver, mesmo que modesto.


Lembrei-me de um ilustre compositor, já falecido: Adoniran Barbosa (1910-1982). Não sei se o conhecem por aí. Pois bem, Adoniran compôs algumas músicas numa fala propositalmente “incorreta”; expressava-se ele com o linguajar dos iletrados, digamos, quase como o Ndengue fudido. E nessa sua fala quanta sabedoria e denúncia! Como o Ndengue fudido. Deixo com você e seus leitores uma amostra e os links para as versões musicadas no Youtube.


Parabéns, caríssimo. Seu trabalho na rede é deveras importante e necessário. Sinto-me bastante orgulhosa em poder contribuir com meus modestos comentários à sua nobre causa. Um sincero e fraternal abraço.
Despejo na favela

(Adoniran Barbosa)


Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E contra o seu desejo
Entregou pra seu Narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
Assinada "Seu Doutor"
Assim dizia a petição:
"Dentro de dez dias quero a favela vazia
E os barracos todos no chão"
É uma ordem superior
ô, ô, ô, ô, meu senhor
É uma ordem superior
Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator
Pra mim não tem problema
Em qualquer canto eu me arrumo
De qualquer jeito eu me ajeito
Depois, o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás
Mas essa gente aí
Como é que faz?
ô, ô, ô, ô, meu senhor
Essa gente aí
Como é que faz?



SAUDOSA MALOCA (Adoniran Barbosa)
Si o senhor não tá lembrado

Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa véia
Um palacete assobradado
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construimos nossa maloca
Mais, um dia
nois nem pode se alembrá
Veio os home cas ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemos tudo as nossas coisa
E fumos pro meio da rua
Preciá a demolição
Que tristeza que nóis sentia
Cada táuba que caía
Duia no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugá
Só se conformemos quando o Joca falou:
"Deus dá o frio conforme o cobertô"
E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim
E prá esquecê nóis cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida
http://www.youtube.com/watch?v=Mbr84hqawaQ&feature=related"



Fonte da caricatura: Semanário angolense.



5 comentários:

Nely disse...

Seu blog é ótimo!

Abraços.

DADI SILVEIRA disse...

Muito bom!
Gostei de ver "Adoniram" aqui.

Bjuss

DADI SILVEIRA disse...

ops! Adoniran :)

Unknown disse...

Espero que nao perderemos a fé.

I warn you, I am just beginning! If there is in your hearts a vestige of love for your country, love for humanity, love for justice, listen carefully... I know that the regime will try to suppress the truth by all possible means; I know that there will be a conspiracy to bury me in oblivion. But my voice will not be stifled – it will rise from my breast even when I feel most alone, and my heart will give it all the fire that callous cowards deny it... Condemn me. It does not matter. History will absolve me.

Fidel Castro.......

Unknown disse...

A nation or civilization that continues to produce soft-minded men purchases its own spiritual death on the installment plan.
A nation that continues year after year to spend more money on military defense than on programs of social uplift is approaching spiritual doom.




Change does not roll in on the wheels of inevitability, but comes through continuous struggle. And so we must straighten our backs and work for our freedom. A man can't ride you unless your back is bent.


estas sao sitaçoes de um grande homen : Martin Luther King Jr.